A Guiana e o Suriname são os dois menos conhecidos dentre os países sul-americanos, dadas as suas especificidades históricoculturais, suas recentes independências e inserção voltada ao Caribe. Todavia, depois de um início acidentado, essas novas nações estão avançando no caminho da estabilidade e do desenvolvimento. Da mesma forma, maior atenção tem sido dada à integração sul-americana como alternativa de regionalização para ambos os países. Assim, é necessário avançar os estudos e os contatos bilaterais do Brasil com esses vizinhos, que alguns consideram problemáticos, outros, promissores.
A Guiana (ex-Inglesa) e o Suriname (ex-Guiana Holandesa), juntamente com a Guiana Francesa (que é parte integrante da França e
da União Européia), formam uma região geopolítica própria, as Guianas, voltadas para o Caribe e, apesar de cobertas pela floresta amazônica, encontram-se separadas da bacia amazônica pelo planalto das Guianas, que chega a atingir três mil metros de altitude. A Guiana possui uma superfície de 215 mil km² e uma população de 800 mil habitantes, enquanto o Suriname abrange, respectivamente, 163 mil km² e 450 mil habitantes. Mais de 90% da população se concentra na faixa litorânea, tendo o interior uma população extremamente rarefeita.
ESTRUTURA COLONIAL E SOCIEDADE
Essa situação é explicada facilmente pela estrutura da colonização inglesa e holandesa. Os navegadores espanhóis e portugueses, que exploraram as costas, não se interessaram em colonizálas, o que foi feito pelos holandeses, que estabeleceram assentamentos agrícolas na desembocadura dos rios dos dois países, sendo o primeiro deles no rio Essequibo em 1616. As colônias, voltadas aos cultivos tropicais (especialmente o açúcar) e à exploração da madeira e outros recursos naturais, tardaram a prosperar, devido às epidemias e aos ataques dos índios Caribes e Arawaks, os habitantes autóctones. Em 1796, durante a Revolução Francesa, os ingleses ocuparam as colônias ocidentais, situação que foi reconhecida pela Holanda em 1814, a qual manteve apenas o litoral do atual Suriname.
A carência de mão-de-obra para as plantations levou os colonizadores a introduzir escravos africanos, muitos dos quais se revoltaram (desde a rebelião liderada por Cuffi), fugindo para a floresta, onde os Maroons (como ficaram conhecidos) criaram sociedades baseadas nas estruturas africanas ocidentais. Com a abolição do tráfico, os ingleses trouxeram trabalhadores chineses e indianos a partir da década de 1830, na condição de Indenture Servants, o que também foi feito pelos holandeses a partir da década de 1870 com indianos e indonésios, especialmente javaneses.
Assim, foram sendo formadas sociedades multiétnicas e multiculturais, com uma ampla variedade étnica, lingüística e religiosa. Ameríndios de vários grupos (especialmente no interior), afro-descendentes assimilados nas plantações e cidades, “negros da floresta”, indianos de várias origens (de religião hindu e muçulmana), indonésios javaneses (muçulmanos), chineses, ingleses e holandeses são os principais grupos. As elites são relativamente permeáveis aos casamentos mistos, mas em geral cada grupo mantém forte identidade, havendo pouca mestiçagem. Posteriormente, a constituição dos movimentos e partidos políticos foi fortemente assentada em linhas étnicas.
No final do século XIX, à medida que os custos da mãode- obra aumentavam e as metrópoles criavam imensos impérios coloniais na África, Ásia e Oceania, as plantations tradicionais
declinavam. O açúcar, o café e o coco cederam parte de seu lugar às exportações de arroz, bananas e cítricos, mas a grande novidade foi o início da exploração da bauxita para a fabricação de alumínio durante a Primeira Guerra Mundial, nos dois países. Durante a Segunda Guerra Mundial, para exemplificar a importância do novo ciclo econômico, 75% das importações norte-americanas de bauxita eram provenientes do Suriname. Em ambos os países, a exploração era feita por empresas transnacionais, como a ALCOA, empresa dos Estados Unidos.
PROBLEMAS E PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS
Ambos os países ganharam autonomia nos anos 1950 em relação às suas metrópoles. Num movimento marcado por fortes tendências nacionalistas, a Guiana ficou independente em 1966 e o Suriname, em 1975. Inicialmente estiveram no poder governos moderados, mas com pouca capacidade de liderança na construção do Estado e do desenvolvimento nacionais. Com a ascensão de Forbes Burnham, que declarou a República Cooperativa da Guiana em 1970, o país teve uma forte inflexão à esquerda, tanto no plano doméstico como no internacional, que durou até a morte natural do presidente em 1985. Após essa fase, o país buscou normalizar suas relações com o Ocidente, sob a liderança do presidente Desmond Hoyte.
Já o Suriname, com o golpe de Estado de 25 de fevereiro de 1980, um grupo de jovens suboficiais (liderados por Desi Bouterse) assumiu o poder, inaugurando um regime nacionalista e autoritário, que perdurou até 1991. Nesse ano, com o presidente Runaldo Venetiaan, consolidou-se o retorno à democracia e à normalização com a comunidade internacional, embora persista certa instabilidade parlamentar. Economicamente, após a independência e, sobretudo, durante os anos de autoritarismo, houve uma acentuada estagnação da produção, em grande parte devido às dificuldades de relacionamento internacional. Mas o quadro sofreu sensível melhora nos anos 1990, apesar de os problemas sociais persistirem.
A Guiana e o Suriname são os dois Estados mais novos e menos povoados da América do Sul e estão entre os de menor dimensão territorial. Além disso, ambos se caracterizam por uma composição etnocultural extremamente complexa e diversa, por idiomas distintos dos demais países sul-americanos e por uma inserção voltada para o Caribe (são membros do CARICOM) e, ainda, em certa medida, para as ex-metrópoles. Trata-se de países ainda fragilmente conectados aos seus vizinhos terrestres e, apesar de possuírem grandes possibilidades produtivas (especialmente nos setores mineral e energético), a economia ainda é rudimentar e carente de infra-estrutura de transportes e energia.
Tudo isso permite caracterizá-los como “uma outra América do Sul”, distinta da Platina e da Andina. Nesse contexto, representam, portanto, um desafio à política externa brasileira e uma espécie de “nova fronteira” do processo de integração sul-americano. Além disso, o curto período de vida independente (a Guiana, quatro décadas e o Suriname, três) foi caracterizado por forte instabilidade política.
Regimes autoritários e experiências com modelos alternativos, em meio ao declínio econômico, alternaram-se com frágeis democracias parlamentares, marcadas por um baixo índice de governabilidade, pela fragmentação partidária e, muitas vezes, pela semiparalisia administrativa por parte do Estado. No plano externo, também há graves problemas, pois ambos os países possuem os mais graves e extensos litígios fronteiriços da América do Sul: Guiana-Venezuela, Guiana-Suriname e Suriname-Guiana Francesa. Além disso, a diplomacia conheceu, logo após a independência, uma linha errática e marcada por rupturas.
O baixo nível de vida (a Guiana tem a menor renda per capita sul-americana), as deficiências estruturais e o elevado índice de desemprego, todavia, podem ser indicadores enganosos, na medida em que o petróleo começa a ser explorado (especialmente no Suriname), e outros minerais, como ferro e ouro, também, além dos projetos hidroelétricos. Mas, para a potencialidade econômica transformar-se em realidade, é necessário maior apoio externo. E, nesse sentido, ambos os países começam a se dar conta de que a cooperação com o Caribe, os Estados Unidos e a Europa tem de ser acompanhada por uma integração com os vizinhos terrestres. Assim, quanto mais o desenvolvimento for interiorizado, maior relevância ganharão as relações transfronteiriças e a integração regional, inclusive com a necessidade de enfrentar as ameaças transnacionais que acompanham o processo.
Fonte:https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/30421/000681228.pdf?sequence=1
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