Onde ficam as vidas humanas, na lógica do mundo econômico e político? Conluios sempre existem entre empresas e governos
Há exatos oito anos, em 11 de março de 2011, no Japão, um forte terremoto estremeceu as estruturas da usina nuclear de Fukushima, seguido de um enorme tsunami que afogou suas máquinas. Pouco depois três dos seus reatores explodiram. Do desastre natural passou-se à catástrofe social e ambiental provocada por acidentes nucleares em que os reatores derretem. Era o terceiro desse tipo que ocorria no mundo, considerado impossível até o primeiro em 1979 nos Estados Unidos e o segundo na então União Soviética em 1986, em Chernobyl.
A radioatividade disseminada pela explosão levou à evacuação de 160 mil sobreviventes do terremoto e do tsunami e os milhões de habitantes de Tóquio quase tiveram a mesma sorte. Foram para alojamentos provisórios, onde estão até hoje, recebendo ajudas do governo. Entre os deslocados mais velhos, há várias vezes mais suicidas do que vitimas do tsunami. O governo ameaça abandoná-los para pressioná-los por sua volta a áreas ainda radioativas.
Onde ficam as vidas humanas, na lógica do mundo econômico e político? Conluios sempre existem entre empresas e governos. A Comissão de Inquérito do Parlamento japonês após o acidente assim definiu as causas do desastre. Para economizar recursos, a construtora da usina erguera um muro de 4 metros de altura para conter tsunamis, ignorando organismos técnicos do Estado que exigiam mais de 15 metros. A onda veio com 15 metros. Em 13 de março próximo será a ultima audiência de defesa de três dos dirigentes da empresa, em ação movida contra eles por organizações sociais. Podem ficar 5 anos presos – pena máxima no Japão por negligências que levam a ferimentos e mortes.
Mas razões de mesmo tipo levaram, no Brasil, a tragédias como a de Brumadinho, após Mariana. Desta vez com mais de 300 vidas perdidas. Causa, a mesma: descaso com a segurança em beneficio do lucro. Possivelmente ainda mais no Brasil do que no Japão, nos falta uma cultura de segurança em equipamentos coletivos. Logo após Brumadinho foi a morte absurda de dez meninos em treinamento num grande time de futebol. E os 242 jovens da boate Kiss? E o incêndio do Museu Nacional, carbonizando nossa historia? Exemplos não faltam. Como sempre: pouca fiscalização, laudos ignorados. Mas faz ainda mais falta confiar na Justiça para punir funcionários irresponsáveis.
Pior ainda é que há acidentes e acidentes. Os nucleares são muito mais violentos. Como dizem os especialistas, quando um acidente com derretimento do reator acontece, ele só começa a acontecer. Eles não são esquecidos no prazo de um luto: durante décadas ou séculos a radioatividade disseminada continuará matando quem for por ela contaminado.
Ora, é exatamente um acidente nuclear desse tipo que nos espreita, numa praia entre as duas maiores cidades do país, se o atual governo reiniciar, como pretende, a obra de Angra 3, a terceira de nossas usinas nucleares. Seu projeto é de 1977, anterior portanto aos três acidentes “impossíveis” já ocorridos. Para licenciar essa obra, em 2010, após sua interrupção em 1983, e nos garantir esse pesadelo assustador, a Eletronuclear engavetou um parecer de engenheiros de segurança sobre a necessidade de revisão do projeto, assim como uma recomendação do Ministério Publico Federal nesse mesmo sentido. Alguma semelhança com a negligência e o conluio constatados no Japão?
Dizem os “responsáveis” que o projeto segue as normas pós 1979 da Agencia Internacional de Energia Atômica. Mas as informações a respeito são imprecisas e duvidosas. Por exemplo: entre as novas exigências, o edifício do reator terá três vezes mais solidez do que o do projeto de 77, para que resista a explosões?
Uma petição ao Ministério Publico Federal por uma auditoria de Angra 3, internacional e independente, está recebendo milhares de adesões em todo o mundo. Lá fora se sabe que acidentes nucleares não respeitam fronteiras. A nuvem radioativa de Chernobyl cobriu toda a Europa. A água que resfria os reatores fundidos de Fukushima está contaminando o Pacifico.
Fonte: Carta Capital
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