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A crise do milagre chileno

O modelo adotado pela economia mais próspera da América do Sul tem um paradoxo: cada vez que a pobreza diminuía, a desigualdade aumentava. E uma população mais culta e com capacidade de expressão não aguentou.

Nos últimos 30 anos, o Chile construiu uma imagem internacional que o credenciou como um dos países mais estáveis da América Latina. Sua economia é, entre outros aspectos, reconhecida por uma destacada indústria vitivinícola, agrícola, pesqueira e mineira – o país é o maior exportador de cobre do mundo. As realizações em termos de redução significativa da pobreza e de desenvolvimento econômico foram vistas como um modelo exemplar para a região.


Nos últimos meses, o presidente do Chile, Sebastián Piñera, adquiriu maior relevância internacional e midiática depois de participar de várias cúpulas internacionais com autoridades como Emmanuel Macron, Angela Merkel e Theresa May, e até foi premiado por sua "liderança na luta contra a mudança climática". Nesse cenário, a Conferência sobre Mudança Climática (COP25) e o Fórum de Cooperação Ásia-Pacífico (APEC), que foram cancelados, teriam sido duas grandes oportunidades para continuar propagando de alguma forma a imagem positiva do país em nível global.

O parodoxo


O retorno à democracia em 1990 permitiu que o país fizesse transformações que o levaram a reduzir consideravelmente as taxas de pobreza (de 40% para 8,6%, de acordo com a Pesquisa Casen 2017). De fato, na região, o Chile é o país com maior mobilidade social da OCDE e um dos países com maior PIB da América Latina. Isso é inquestionável entre especialistas.


"O Chile provou ser um país com estabilidade macroeconômica significativa. Os investidores estrangeiros podem vir a investir com regras claras do jogo, quando esse investimento é respeitado como tal. Basicamente, é uma economia que, embora pequena, tem uma boa porta de entrada para as economias latino-americanas", diz Juan Pablo Swett, economista e presidente da Associação de Empresários Latino-Americanos (ASELA).


Carlos Ruiz, sociólogo e acadêmico da Universidade do Chile, explica que houve um ciclo muito forte de exportação de matérias-primas, o que produziu um grande crescimento, gerando um milagre chileno que começou no final da década de 1980. Isso, diz o especialista, levou a uma redução significativa da pobreza. "O paradoxo é que cada vez que a pobreza era reduzida, a desigualdade aumentava”, comenta.

Jatos d'água contra manifestantes: protestos tomaram por semanas as ruas.

O outro lado da moeda é que, de acordo com os indicadores do Banco Mundial, o Chile é um dos dez países mais desiguais do planeta. A grande convulsão social pela qual o país está passando expôs as deficiências do sistema político-econômico chileno, afetando subitamente a imagem do país no exterior.


"A suspensão da COP25 e da APEC se deve às circunstâncias difíceis que nosso país viveu e que todos os chilenos viveram nas últimas semanas", segundo as palavras do presidente chileno, implicando que o país não tem as condições necessárias para proteger a segurança dos visitantes.


"Nos últimos dias, o país passou por uma grande mudança interna que teve repercussões na imagem internacional. Embora o padrão econômico dos chilenos tenha aumentado, há um sentimento de profunda desigualdade, que é a única questão da qual o Chile não se encarregou: a distribuição econômica. Mais do que questionar o modelo econômico chileno: é o abuso, a concentração da riqueza. É uma revolução social, não uma revolução econômica", comenta o economista Swett.


Carlos Ruiz, por sua vez, assegura que "não houve um verdadeiro milagre”, mas sim um milagre monopolizado por poucos. "Ele deixou um pouco de renda fluir para alguns lados, mas o grosso ficou com muito poucos, e diante disso explodiu uma sociedade, que agora é muito mais culta, com capacidade de expressão e organização”, explica.

Confiança abalada


Empresários e investidores lamentam a situação social do Chile. A solução para eles é uma: resolver problemas sociais para recuperar a confiança.


Darwin Alvarado, economista e diretor executivo da Ubicuo Comunicaciones, diz: "Quem decidir investir no país neste momento vai pensar sobre isso, porque primeiro é preciso cumprir as condições para a mudança".


Para ele, são necessárias estabilidade e regras claras, porque é disso que os investidores estão sempre à procura: "Isso permite que eles tomem decisões de investimento para ter retornos esperados. Entre agora e março deve ficar claro qual o caminho que o Chile vai seguir, o que lhe permitirá voltar a gerar confiança nos investidores e ver o Chile como um bom país para investir.”


Swett, por sua vez, acredita que "o Chile continuará a crescer, as oportunidades seguirão e as regras macroeconômicas serão bastante sólidas". Ele afirma que "o que o mundo quer ver do Chile para restabelecer a confiança é um maior Estado de direito, sem violações dos direitos humanos.” Estas são, segundo o economista, as imagens que o mundo está à espera para recuperar a confiança no Chile.


Fonte: DW Notícias

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