Com a tenacidade Lula, o líder do partido Morena tenta a presidência pela terceira vez neste domingo e agora como favorito. Candidato fez campanha "paz e amor", se aproximou de empresários, mas não delineou planos concretos
Cidade do México 2 JUL 2018 - 13:26 BRT
O político mais conhecido do México afinal de contas é uma incógnita total. Após anos de exposição pública, de meses de interpretações a respeito dos seus silêncios e respostas ambíguas, a sensação de inevitabilidade da sua vitória desperta tanto entusiasmo como incerteza. A crença de que o perigo para o México é continuar com os níveis exagerados de violência, corrupção e impunidade se choca com as dúvidas geradas pelo possível triunfo de Andrés Manuel López Obrador e pela forma como ele governaria.
Neste domingo, chega ao fim uma campanha eleitoral de três meses, um processo anticlimático, absurdamente longo. Em todo este tempo, ao qual se soma uma pré-campanha e uma campanha intermediária —ao todo quase um ano de promessas e boas intenções—, os candidatos não conseguiram aterrissar uma proposta concreta, um plano definido para acabar, por exemplo, com os dois males que assolam o país e que marcarão o próximo mandato presidencial, que dura seis anos: a corrupção e os elevados níveis de violência que sangram o país. Em tempos de Brexit, de rejeição a um processo de paz como o da Colômbia, da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, o México é talvez a maior prova de que as emoções se impõem ao racional.
Se esta eleição for tratada como um ato de fé, ninguém soube interpretá-lo como López Obrador, favorito para a vitória, a julgar pelas pesquisas, que lhe dão uma vantagem de dois votos para cada voto de seus rivais, Ricardo Anaya e José Antonio Meade. Ao invés de cair nas pesquisas, como se vaticinou, nunca parou de crescer. Uma derrota seria vista como uma fraude por seus seguidores, um fantasma que muitos de seus simpatizantes não duvidaram em agitar os últimos dias. Em sua terceira tentativa de chegar ao palácio de Los Pinos, o líder do Morena (Movimento Regeneração Nacional) teve uma aguda capacidade de capitalizar a irritação e o cansaço com o regime atual, encarnado no Governo de Enrique Peña Nieto e seu partido, o Revolucionário Institucional (PRI). A eleição do México tem muito de referendo sobre a gestão do mandatário. Ao mesmo tempo, López Obrador manteve seu compromisso de promover a mudança social, como nos primórdios da sua vida pública, em Tabasco, onde há três décadas começou a trabalhar com os indígenas chontales. Seu México só será construído se os que não têm nada puderem obter algo.
López Obrador é um líder social, herdeiro da velha estirpe do priismo nacionalista revolucionário, que se apresenta como um salvador. Seu plano não passa só por obter uma mudança. Prometeu liderar a quarta transformação do México, depois da Independência (1821), da Reforma (1858-61) e da Revolução (1910). Que depois dos próceres Hidalgo, Juárez e Madero virá ele. De certa maneira, quer pôr fim ao ciclo iniciado no final dos anos oitenta pelo então presidente Carlos Salinas de Gortari: a predominância no poder de uma maioria de centro-direita, uma ampla tolerância ao predomínio de interesses privados e a administração da desigualdade. López Obrador foi o opositor por excelência desse modelo, que trouxe consigo a exclusão da esquerda do Poder Executivo.
No papel, seu possível triunfo fecharia esse ciclo liberal. Na prática, há muitas dúvidas. Depois de perder em 2006 para Felipe Calderón por uma estreita margem (sempre alegou que lhe roubaram a eleição) e de voltar a ser derrotado por Peña Nieto há seis anos por uma ampla diferença —em ambos os casos sob o guarda-chuva do Partido da Revolução Democrática (PRD)—, desta vez ele não só criou um partido à sua imagem e semelhança (o Morena) como também se aliou ao Encontro Social, uma formação evangélica.
A desproporcional representação ultraconservadora no Congresso preocupa os defensores dos direitos sociais, que, em sua maioria, apoiam o líder do Morena. Além disso, López Obrador não hesitou em incluir inimigos de antigamente, questionados dirigentes sindicais mineiros, no seu projeto Juntos Faremos História (que inclui também o Partido do Trabalho, de extrema esquerda). Fez isso para ganhar votos e obter a estrutura que permitisse defendê-los em todo o país. “Ganhará as eleições o candidato dos partidos que se localizam mais à esquerda e mais à direita no espectro político. Um candidato que, além disso, pactuou com políticos de centro, centro-direita, centro-esquerda e centro radical”, resume o escritor Emiliano Monge.
No entorno mais próximo de López Obrador há a sensação de que sua capacidade política e pragmática foi subestimada. Desde que a campanha começou, ele foi o alvo a atingir, e saiu ileso de todas as batalhas. Limpou a suposta ingerência russa em sua campanha à base do humor, apresentando-se como Andrés Manuelovich; sugeriu anistiar crimes vinculados ao narcotráfico e, ao ver que isso podia lhe custar caro, deixou de mencionar o assunto; declarou que o México precisa é de uma Constituição moral, sem especificar a que se referia; enfrentou o todo-poderoso empresário Carlos Slim por causa do novo aeroporto da Cidade do México, um projeto que ele afinal não reverterá; depois de atacar a elite empresarial, reuniu-se com ela. Esse vaivém foi um incentivo para que seus críticos colocassem em dúvida a sua moderação. Entretanto, permitiu-lhe ditar a agenda praticamente sem custos. Enquanto todo mundo o escrutinava, López Obrador fazia o mesmo com o México. Nenhum candidato percorreu o país como ele. Quando ia embora, seu pessoal ficava. Ao mesmo tempo em que aperfeiçoava sua imagem, desenvolvia a do Morena. Sua maior obsessão sempre foi garantir a defesa do voto. Neste domingo, o Morena terá representantes em mais de 90% das seções, só superados pelo poderoso PRI.
“López Obrador se fez a si mesmo, e quase se poderia dizer que sozinho. Se não tem padrinhos em sua biografia, tampouco tem companheiros”, escrevia neste jornal Jesús Silva-Herzog, professor do Instituto Tecnológico de Monterrey. Seu núcleo mais próximo é composto por seus filhos, sua mulher, Beatriz Gutiérrez Müller, e seu inseparável César Yáñez, encarregado da imprensa e da contenção de tudo aquilo que ele sinta que não lhe convém. Sua equipe mais próxima de colaboradores contribuiu para a moderação de sua imagem. Todos souberam desenvolver uma campanha sem ele, para ele. Os mais destacados são três que, a priori, não ocuparão uma pasta no Governo paritário que anunciou há meses.
O empresário Alfonso Romo foi o encarregado de convencer seus pares de que a vitória de López Obrador não representa um perigo para o México. Romo, empresário de Monterrey, no norte do país —um admirador do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe e outrora crítico do candidato, ou seja, pouco suspeito de ser um líder de esquerda—, empreendeu uma cruzada de meses, primeiro com diretores de pequenas e médias companhias, que culminou com a reunião de junho entre López Obrador e membros da elite empresarial. “A pancada mais importante”, como descrevia um dos participantes.
Outro fator que determinará a eleição será o mais que provável crescimento de López Obrador no norte do país, a região que tradicionalmente deu-lhe as costas. Se deixou de ser apenas um candidato do sul e do centro do país foi, em boa medida, pelo trabalho de Marcelo Ebrard. Seu sucessor como chefe de Governo da Cidade do México (2006-2012) retornou ao país no final do ano passado para se integrar à campanha, com a finalidade de construir uma estrutura sólida no terreno mais pantanoso para o candidato.
No processo de suavizar a imagem de López Obrador para o eleitorado, ninguém contribuiu mais que Tatiana Clouthier. Filha de um ex-candidato presidencial do PAN, partido de centro-direita pelo qual foi deputada federal, conseguiu convencê-lo de que deveria enfrentar todos os ataques com uma mensagem de paz e amor —AMLOve, chamaram-no, num trocadilho com suas iniciais e a palavra inglesa para “amor”, coicind—, e que poderia atingir o eleitorado mais jovem através de uma intensa campanha nas redes sociais. López Obrador se vangloriou disso em seu concorrido encerramento de campanha no estádio Azteca: “Olhem como são as coisas, sou o candidato com mais idade, mas os jovens, com sua rebeldia, sabem que representamos o novo”.
Os colaboradores de López Obrador souberam antepor seus interesses pessoais, que os têm como todo político, ao sucesso de seu chefe. Uma grande diferença em relação aos seus competidores. Ricardo Anaya forjou uma aliança que de antemão parecia impossível, ao juntar os partidos tradicionais da direita e da esquerda. Dispôs-se a pagar o preço de dividir conservadores e progressistas, mas não calculou que os interesses dos que o acompanhavam eram inclusive maiores que os dos que ficaram pelo caminho. No caso de José Antonio Meade, sua indicação como candidato do PRI abriu uma batalha interna entre o grupo do atual presidente e o núcleo mais duro da agremiação, que nunca viu com bons olhos que um mero simpatizante, apoiado pela direita, fosse seu candidato. Feridas que, longe de cicatrizarem, continuam abertas sem torniquete que as freie.
Como se não fosse o suficiente, a violenta guerra de Anaya e Meade contra o presidente durante a campanha facilitou o caminho para López Obrador. No entorno do líder do Morena ela é comparada, com certa ironia exagerada, à batalha de Stalingrado. Na Segunda Guerra Mundial, os alemães se dirigiam a Moscou com tudo a seu favor, até que Hitler decidiu tomar os poços de petróleo da Crimeia. No caminho, decidiu arrasar Stalingrado, muito por conta do nome da cidade. Essa decisão foi uma das responsáveis por perder a guerra. A promessa de Anaya de que prenderia Peña Nieto foi sua Stalingrado. Enquanto isso, López Obrador passava o verão em Moscou.
Existe uma grande parte do país que o detesta há anos; que sente que, se vencer, López Obrador irá vingar-se. Ele afirmou que garantirá o direito de discordar, a liberdade de imprensa e que os empresários poderão continuar a fazer negócios. Nessa cruzada para tranquilizar, entretanto, ocorreu uma espécie de excusatio non petita, accusatio manifesta. Pela frente terá até 1º. de dezembro, quando tomará posse —uma transição ridícula, que será encurtada no próximo mandato— para oferecer certezas.
Do que não há dúvidas é que López Obrador não quer olhar para fora do México. Na verdade, aonde vai só vê o México. Ao extremo. Numa recente viagem pelo norte do país, comentava que a última vez que visitou a Cantábria, região espanhola onde nasceu seu avô nasceu, tudo lhe recordava o México: “O verde e o mogno são iguais aos da Selva Lacandona”. Daí que, apesar dos suspiros de tantos, não parece que irá se erigir em um líder regional. Comparado com Chávez a não mais poder, o López Obrador de 2018 só compartilha com o falecido líder venezuelano o culto a si mesmo e a convicção de que apenas eles podem salvar seus respectivos países. E, embora não se deva menosprezar, são mais numerosas as diferenças que os separam. A primeira é que López Obrador não é um militar, nem parece que fará uso deles para se aferrar ao poder. Além disso, custa imaginar que um país tão diverso como o México possa mergulhar numa situação como a da Venezuela, dependente do petróleo. Com Lula compartilha sua tenacidade em alcançar o poder, mas nem de longe a visão global do brasileiro. Além disso, se durante seus governos – não necessariamente por causa dele – a corrupção se expandiu, o objetivo do líder do Morena é cerceá-la.
Entre esse afã de querer vê-lo em todos os lugares e com a convicção de que se sabe tudo sobre ele, o México acabou se perguntando quem é como virá a governar López Obrador.
Fonte; https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/30/internacional/1530382172_247081.html
댓글