Em contraponto à elitização do futebol, Remo e Paysandu acolhem torcedores de baixa renda nos estádios com ingressos gratuitos e descontos para beneficiários de programas sociais. Ações fazem médias de público superarem até mesmo de times da Série A.
Juntos na Série C do Campeonato Brasileiro, Remo e Paysandu voltam a disputar a mesma divisão após 13 anos. Apesar da rivalidade, ambos demonstram sintonia fora dos gramados. Tradicionais, mas distantes dos investimentos milionários de elencos bancados pelos clubes da elite, os maiores times do Pará tentam mobilizar a massa de seus torcedores para reviver os bons tempos de evidência no futebol nacional. Lançando mão de planos populares e até ingressos gratuitos, a dupla quer restabelecer a conexão com a parcela mais pobre da torcida e fazer dos estádios cheios um diferencial competitivo em busca de conquistas.
No fim do ano passado, o Paysandu anunciou a criação do projeto Alegria do Povo, que, em parceria com o curso de serviço social da Universidade da Amazônia (Unama), selecionou torcedores para um programa de concessão de entradas gratuitas em jogos do clube. Após uma análise socioeconômica, assistentes priorizaram pessoas consideradas hipossuficientes, que não têm condições financeiras para se sustentar. Inicialmente, o projeto conta com 250 bicolores beneficiados pela cota de ingressos nas partidas como mandante.
Primeiro a se cadastrar no programa, Wilson dos Santos Rocha, 63, assistiu à estreia do Papão no Campeonato Paraense. Com salário de 200 reais por mês, ele não frequentava o estádio da Curuzu havia cinco anos. “Fiquei muito emocionado de ver meu time de perto outra vez. Não sobra dinheiro pra comprar ingresso e ajudar o clube, infelizmente, mas sempre que tiver a oportunidade de voltar, vou estar na arquibancada apoiando os jogadores”, diz Rocha, que ainda ganhou uma camisa oficial doada por um grupo de torcedores.
“Nosso clube acabou ficando elitizado nos últimos anos. Precisamos nos reconectar com a cultura popular”, afirma Ricardo Gluck Paul, presidente do Paysandu, ao detalhar a motivação para oferecer ingressos aos desfavorecidos. “Esse é o torcedor que queremos resgatar, porque sabemos de sua paixão incondicional pelo time, ganhando ou perdendo. Futebol é alegria do povo. E, por ser um clube de massa, o Paysandu tem obrigação de abraçar todas as classes sociais.”
“Precisamos nos reconectar com a cultura popular”, diz Ricardo Gluck Paul, presidente do Paysandu
Do outro lado, o Remo não ficou atrás. Em dezembro de 2018, a agremiação azulina reformulou seu plano de sócio-torcedor e incluiu a categoria Ouro Social, destinada a beneficiários de programas sociais como o Bolsa Família. Em apenas um mês, as 600 vagas da modalidade foram esgotadas. Nela, os torcedores pagam mensalidade de 30 reais e têm acesso garantido em todos os jogos. “Fizemos questão de não colocar nenhuma distinção na carteirinha de sócio”, conta o presidente Fábio Bentes. “Para cumprir nosso papel social é fundamental mostrar que todo torcedor tem importância.”
Além do plano de popularização, o clube remista também tem investido em ações para tornar o estádio mais atrativo às mulheres e fidelizar torcedoras. Paralelamente a campanhas de conscientização sobre assédio, foram disponibilizados itens de higiene específicos nos banheiros femininos e catracas exclusivas. “Aos poucos, as mulheres estão perdendo o medo de frequentar as arquibancadas”, diz Mariana Moraes, 23, ainda rouca de tanto torcer depois do jogo em que o Remo garantiu o título paraense. Moradora da periferia de Belém, a estudante que integra a torcida feminina Azulindas paga 60 reais por mês para poder ir a todas as partidas de seu time na cidade e se orgulha da atitude do clube em abrir portas aos torcedores mais pobres. “Todos devem ter oportunidade de ir ao estádio. Se eu morasse em São Paulo, por exemplo, não teria condições de ver jogos do Corinthians.”
Na contramão dos clubes do eixo Sul-Sudeste, o preço do ingresso praticado pela dupla “Repa”, como é conhecido o clássico paraense, ainda se encaixa no orçamento de boa parcela de seus torcedores. Enquanto o Corinthians, terceira bilheteria mais caro do país, cobra em média 50 reais na Arena, Remo e Paysandu se mantém estáveis na casa dos 20 reais. O valor acessível reflete em calor nas arquibancadas. Com aproximadamente 10.000 torcedores por partida, os grandes do Pará superam médias de público até mesmo de times da Série A, como Botafogo, Chapecoense, Fluminense e Goiás. O foco na revitalização dos planos de sócio visa aumentar as cifras. Enquanto o Paysandu tem 5.500 pagantes ativos e planeja triplicar o número mobilizando sua base de 25.000 cadastrados, o Leão Azul saltou de 800 para 5.000 sócios em menos de seis meses.
“Para cumprir nosso papel social é fundamental mostrar que todo torcedor tem importância”, afirma Fábio Bentes, presidente do Remo
Para a final do Parazão, contra o Independente, o Remo levou mais de 27.000 pessoas ao Mangueirão. Empurrados pela torcida, azulinos e bicolores projetam boas campanhas na Série C e um clássico, previsto para a 9ª rodada, com lotação máxima no estádio, que tem capacidade para 40.000 torcedores. Diante do sucesso de adesão, os dois times também já trabalham na abertura de novos lotes de ingressos populares, convictos de que a incorporação de baixa renda na arquibancada resulta em alto desempenho no campo. “Para competir com times de outros Estados, nosso trunfo é o apoio maciço do torcedor”, afirma Bentes. “Vamos provar que, aproximá-lo do clube, não importa de onde venha, vale a pena.”
Fonte: El País Global
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