top of page

A África arde ainda mais do que a Amazônia

Somente em Angola e no Congo há 10.000 incêndios ativos contra os 2.127 do Brasil, a maioria utilizada para atividades agrícolas e pastorais. 10% fogem do controle e são responsáveis por 90% da superfície que queima.

Soldados do exército queniano lutam contra um incêndio em março.ANDREW RENNEISEN (GETTY)

Em plena agitação mundial pelos incêndios na bacia do Amazonas, uma imagem de satélite divulgada há alguns dias pela NASA e analisada pela Weather Source revelou que na África Central havia mais incêndios do que no Brasil. Somente em Angola e no sul da República Democrática do Congo (RDC) havia mais de 10.000 fogos ativos, contra os 2.127 do país sul-americano. Durante a reunião do G7 em Biarritz, o presidente francês, Emmanuel Macron, chegou a anunciar a possibilidade de desbloquear fundos para combater o fogo também no continente africano. De acordo com os especialistas, entretanto, não são fenômenos comparáveis. A maior parte dos incêndios na África, e isso acontece todos os anos, se deve a técnicas agrícolas ancestrais usadas pelo homem em atividades agrícolas e pastorais, são controlados e não afetam grandes massas florestais e sim pastos e terras de cultivo.


“O uso do fogo para caçar, favorecer as melhores plantas à alimentação e à fibra, a limpeza para a agricultura e o pastoreio, facilitar as viagens e controlar as pragas é bem documentado, é tradicional e continua na atualidade em muitas parte da África”, afirma Peter Moore, especialista em gestão de incêndios do departamento de Florestas da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação). É o sistema preferido pela maior parte dos camponeses, especialmente em áreas onde têm pouca renda e a agricultura não é mecanizada, já que é mais econômico, pode acabar com certas pragas e doenças e as cinzas do matagal queimado trazem nutrientes aos futuros cultivos, ainda que a médio prazo e sem uma gestão adequada de seu alcance e intensidade aceleram a erosão do solo.


A imagem do satélite mostra que além de Angola e a RDC, Zâmbia, Moçambique e Madagascar também sofrem o mesmo fenômeno. A estimativa, entretanto, é que nove de cada dez incêndios na África não causam grandes danos, e sim mais benefícios à comunidade. Tosi Mpanu Mpanu, negociador congolês nas conferências sobre o clima das Nações Unidas, diz que “na Amazônia a floresta queima principalmente pela seca e a mudança climática. Mas na África Central isso se deve essencialmente a técnicas agrícolas”, informa a AFP.


Diante do incipiente alarme, o Governo de Angola quis se movimentar para alertar sobre as comparações entre o que acontece no país africano e o Brasil, que podem conduzir, afirma em um comunicado, “a uma dramatização da situação e à desinformação das mentes mais imprudentes”. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente angolano são fogos que os agricultores fazem todos os anos ao final da estação seca. “Nessa época do ano e em numerosas regiões de nosso país ocorrem incêndios por parte dos camponeses em fase de preparação das terras pela proximidade da estação das chuvas”, acrescenta o comunicado.


Evidentemente, também há riscos. Moore diz que, de acordo com os estudos mais recentes, todos os anos é queimada de 3% a 4% da superfície terrestre do Planeta. E ainda que a tendência seja decrescente na África (300 milhões de hectares queimados em 2016 contra 340 milhões em 2003), se trata de um dos continentes mais afetados. 10% dos incêndios, calcula-se, fogem do controle e são responsáveis por 90% da superfície que queima. “Esses são os que causam a perda de vidas, danos materiais e impacto ambiental. São incontroláveis até a mudança do clima e das condições do combustível que os faz arder. Em muitos países da África a capacidade de manejo dos incêndios não está bem desenvolvida”, acrescenta Moore. Na origem costumam estar os acidentes, falta de compreensão do risco, práticas ruins e descuidos. Em 2016 a superfície queimada foi seis vezes o tamanho de Minas Gerais.


Os coletivos defensores do Meio Ambiente alertam que essa técnica de limpeza do terreno e queima provoca um grave desmatamento e perda da biodiversidade, assim como a erosão da terra. O desmatamento é real, ainda que a causa principal não seja a queima e sim o corte. De acordo com afirmações de Mpanu Mpanu à AFP, “a cobertura vegetal da RDC passou de 67% a 54% de seu território entre 2003 e 2018”. O próprio presidente Tshisekedi mencionou a perda de árvores na bacia do rio Congo, a segunda maior massa florestal do Planeta, em seu discurso de posse. Em um país em que somente 9% da população tem acesso à eletricidade, a madeira é uma importante fonte de energia e se permite o corte artesanal, que algumas vezes esconde os interesses de empresas madeireiras.


Emissões à atmosfera

Outro aspecto dos incêndios tem a ver com suas emissões de gases nocivos à atmosfera. “Quando se usa o fogo para transformar áreas florestais em terras abertas há uma adição líquida de gases de efeito estufa à atmosfera. Combustíveis que não costumam ser queimados, como turfeiras e selvas tropicais, contribuem de maneira intensa a tais emissões”, diz Moore. Quando se queima um terreno e a vegetação se regenera com o tempo, entretanto, essas plantas os eliminam da atmosfera à medida que crescem.


A FAO propõe melhorar as habilidades das comunidades na gestão de incêndios a partir de suas próprias tradições e conhecimentos, levando em consideração o impacto positivo que tem a maioria dos fogos controlados. Ao mesmo tempo, recomenda melhorar suas capacidades para a extinção e a compreensão dos riscos. “Os incêndios florestais danosos”, como os atuais da Amazônia, “não são uma emergência sem precedentes. A combinação de políticas, planejamento e gestão defasadas criaram um contexto no qual os incêndios geram danos e perdas”, conclui Moore.


Fonte: El País Global

3 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page