A discrepância entre a distribuição étnica do Brasil e sua representatividade nas maiores empresas é gritante. Chocado com a constatação, o empresário holandês-brasileiro Theo van der Loo iniciou campanha de diversidade.
Imagine que você quer vender um produto de consumo ou oferecer um serviço, mas ignora uma parcela de 28% da população. Não porque ela não entre em cogitação como público-alvo para seus produtos, pelo contrário: esses 28% representam um poder aquisitivo concentrado de 16%, ou seja, de um sexto da população. É um grupo populacional que consome bastante, demandando tudo o que se oferece no mercado, de móveis, roupas e carros a voos turísticos e serviços de streaming.
Que doideira, você diria. Mas é justamente assim que se comportam empresas brasileiras ao ignorar uma "maioria invisível" entre seus clientes potenciais: as mulheres de raízes afro-brasileiras. Elas são 60 milhões no país, o maior grupo populacional em termos de sexo e cor da pele.
Recentemente a Folha de S. Paulo publicou uma série de artigos sobre as afro-brasileiras na economia do Brasil. É gritante quão pouco as firmas se dedicam a esse potente conjunto de consumidores, na publicidade, serviços ou design de produtos. A questão é que, nas agências de publicidade e institutos de pesquisa, as afro-brasileiras continuam sendo uma exceção, apenas uma fração de sua presença na sociedade.
Isso se aplica, sobretudo, do nível gerencial ao presidente das empresas, ou seja, onde se tomam as decisões sobre design, ações publicitárias e canais de distribuição. Apenas 0,4% das posições de liderança nas 500 maiores companhias do Brasil são ocupadas por mulheres negras ou de cor, constatou o Instituto Ethos.
Isso resulta em que as bases de maquiagem sejam, em geral, claras demais para as compradoras de pele escura, excetuados caros produtos especiais. Ou em a maioria dos carros ser baixa demais para mulheres com opulentos penteados afro os dirigirem. Ou que dispensadores automáticos de sabão líquido não funcionem, por não reagirem a peles mais escuras.
Por que as empresas desperdiçam tamanho potencial, ao ignorar os desejos e preferências específicos das clientes de origem africana? A resposta poderia ser: a questão sequer lhes ocorre. Uma teoria que as experiências de Theo van der Loo, antigo presidente da Bayer no Brasil, parecem confirmar.
O recém-aposentado holandês de passaporte brasileiro é um destacado paladino da diversidade étnica nas firmas do país. Tudo começou há dois anos, com uma postagem sobre discriminação racial que ganhou enorme ressonância.
Tratava-se de um conhecido afro-brasileiro, a quem o diretor de recursos humanos deixara claro, numa entrevista de emprego, que não contrataria negros. O candidato não se queixou, temendo danos a sua carreira. No entanto, sua breve mensagem logo fora lida por meio milhão de usuários e recebera 1.500 comentários, muitos relatando situações semelhantes.
Desde então, Van der Loo é constantemente convidado por associações e multinacionais para falar de suas experiências. Tendo crescido no Brasil, mas cursado a universidade na Europa e Estados Unidos, e trabalhado em meia dúzia de localidades por todo o mundo, ele afirma: "A maioria dos chefes de empresas sequer notou que eles quase não têm afro-brasileiros."
Cada vez que retornava ao Brasil, saltava-lhe aos olhos a discrepância entre a enorme parcela afro da população brasileira e os empresários do sexo masculino e quase exclusivamente brancos. "Ninguém impôs esse apartheid a nós, brasileiros. Nós mesmos somos os responsáveis, e temos que mudar isso, senão nada vai se mover."
Também entre os 4 mil funcionários da Bayer, apenas 15% não eram brancos e, nos níveis mais altos, apenas cerca de 4%. Van der Loo iniciou uma campanha de diversificação, com o fim de contratar 20% de estagiários afro-brasileiros. A companhia não teve o menor problema em encontrá-los: em vez dos poucos milhares de até então, apresentaram-se até quase 100 mil candidatos às 200 vagas de estágio.
Desde a iniciativa de Theo van der Loo, a Bayer subiu muito no conceito dos jovens. Mas, enquanto os diretores-executivos estrangeiros mostram grande receptividade por sua iniciativa, os chefes brasileiros são mais reticentes. No entanto, ele já tomou suas precauções: quando um diretor de firma se queixa de não conseguir encontrar um candidato adequado de cor, ele agora pode apresentar todo um cadastro de afro-brasileiros com títulos acadêmicos: "E aí não tem mais desculpa."
Fonte: DW Notícias
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