Lançada em 4 de setembro no Rio de Janeiro, publicação faz uma radiografia das empresas, dos interesses políticos, das tecnologias, das tendências e dos atores envolvidos na produção de alimentos no mundo e, em especial, no Brasil.
Por Verena Glass
O titulo do segundo capítulo do Atlas do Agronegócio, na sua versão em inglês (da qual a brasileira foi traduzida), faz uma (não tão) sutil analogia a um dos maiores clássicos da literatura mundial: “um grupo para a todos governar”; como em “Um Anel para a todos governar; Um Anel para encontrá-los; Um Anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los; Na terra de Mordor onde as sombras se deitam”, O Senhor dos Anéis, J.R.R. Tolkien.
O mundo desenhado pelo moderno agronegócio e suas cadeias auxiliares poderá, em um futuro nem tão distante, se assemelhar a uma Mordor modernizada, mais pop e colorida, mas não menos mortal para as diversidades que hoje ainda resistem no Planeta. Esta pode ser uma das conclusões a que a leitura do Atlas do Agronegócio pode levar.
A concentração do mercado global de insumos agrícolas tem se intensificado. Atualmente, cuatro multinacionais – Bayer/Monsanto, ChemChina/Syngenta, Dow/DuPont e BASF, todas originárias da indústria química – praticamente dominam a produção de agrotóxicos e sementes no mundo. Cada vez mais, a agricultura global é dependente destas sementes e venenos, e o que avança é a homogeneização.
Nova ordem Para dar conta deste modelo, são necessárias novas tecnologias, que englobam a transgenia tradicional, a biofortificação de plantas (manipulação genética para aumentar a concentração de um ou mais micronutrientes específicos), a genética animal (patenteada) e sofisticadas máquinas computadorizadas – a exemplo da chamada agricultura de precisão, que pode mapear exatamente em que pedaço o solo é deficitário em fósforo, onde falta nitrogênio, onde falta potássio. Com estes dados, uma máquina inteligente aplicará o adubo correto no local onde há demanda, o que diminui custos e desperdícios. Obviamente, descarta-se a mão de obra. Também é certo que esta tecnologia só é aplicável em grandes áreas. E por fim, apenas uma categoria, a dos ricos, terá acesso às inovações.
No Brasil, esta tendência se adapta perfeitamente à geografia do domínio das terras. Se formassem um país, os latifúndios brasileiros seriam o 12º maior território do planeta, com 2,3 milhões de km² (área maior que a Arábia Saudita), aponta o Atlas. O espelho desta realidade é o Congresso Nacional, onde quase metade dos deputados pertencem à bancada ruralista, legislando a favor dos interesses do setor e fragilizando as legislações de proteção ambiental e das comunidades tradicionais e seus territórios.
Quando o alimento deixa a esfera agrícola e chega aos supermercados, um novo universo de poucas e grandes empresas aparece como dominante. No primeiro estágio deste processo, quatro multinacionais dominam tanto a importação como a exportação de commodities agrícolas: Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Cargill e Louis Dreyfus Company. Juntas elas são conhecidas como o “grupo ABCD”. Já no mundo dos alimentos processados, no dia a dia entre 60% e 70% das compras de uma família urbana são produzidas por dez grandes empresas como Unilever, Nestlé, Procter & Gamble, Kraft, Coca-Cola ou a brasileira 3G Capital (dona do Burger King, Grupo Kraft Foods, grupo Heinz e Ambev/AB InBev, entre outras).
Resistências possíveis A terra de Mordor que surge no horizonte do projeto agroalimentar, este que está dominando cada vez mais o que come a humanidade, pode aniquilar milhões de anos de evolução nos quais os seres humanos aprenderam a cultivar a terra. Se a agricultura de precisão prevalecer, os saberes do camponês que conhece a planta pela cor, o solo pelo cheiro, o clima pelo brilho dos sol e pela curva dos ventos, se perderá. O dia em que colapsar a máquina computadorizada, virá a fome? A natureza, que sempre soube se defender, que troco dará nas tecnologias transgênicas e seus venenos implícitos?
Contra estas perspectivas sombrias, no entanto, crescem as resistências. Nunca tantos defensores e defensoras dos territórios foram assassinados no Brasil, mas nunca antes os povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais estiveram tão mobilizados na defesa de seus direitos. A moderna agrotecnologia é difundida e defendida pela televisão, mas crescem as experiências agroecológicas, se alastram pelo campo brasileiro, tomam as cidades nos quintais produtivos, e no fim do dia é ainda a agricultura familiar que produz cerca de 70% dos alimentos na mesa dos brasileiros.
O Atlas do Agronegócio foi lançado no último dia 4 no Rio de Janeiro, em evento promovido pelos seus editores, as Fundações Heinrich Boell e Rosa Luxemburgo. Participaram do evento a chef Bela Gil, Denis Monteiro (Articulação Nacional de Agroecologia) e Maureen Santos (Fundação Heinrich Böll), com moderação do ator e apresentador Gregorio Duvivier. Citou-se as mazelas, mas falou-se muito mais das enormes potencialidades da diversidade alimentar e produtiva nas mãos criativas de mulheres e homens, não empresas e conglomerados.
Para acessar o Atlas completo acesse: https://rosaluxspba.org/atlas-do-agronegocio-reune-dados-sobre-as-macrocadeias-agroalimentares/
Fonte: Fundação Rosa Luxemburgo
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