Redução indiscriminada de custos tem impacto social elevado e não basta para concorrer com a China, argumenta o assessor
O Brasil deve ganhar mercado pelos avanços de produtividade e por meio da diferenciação de produtos, como fazem diversos países, e não pela redução indiscriminada de custos a exemplo de baixar salários, que tem um impacto social muito elevado e, ainda assim, poderia ser insuficiente para o País competir com a China e outros países nos mercados de alguns produtos de baixo custo e elevada escala de produção.
A análise é do economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Fórum de Economia e do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da FGV e ainda do programa econômico do pré-candidato Ciro Gomes. Defende um ajuste fiscal, mas baseado na análise das despesas correntes e preservados os gastos com investimentos, educação e saúde.
Não pleiteia que a economia de recursos seja destinada apenas ao pagamento de juros, como a análise tradicional argumenta. Em sua opinião, as finanças do Estado precisam estar equilibradas para possibilitar o financiamento dos políticas públicas, econômicas e sociais necessárias ao desenvolvimento econômico e social. Marconi concedeu a entrevista a seguir.
CartaCapital: Diante do sucateamento e do pouco investimento em infraestrutura e frente a fraqueza da indústria, cada vez mais assemelhada às "maquilas" mexicanas segundo vários economistas, como o senhor propõe a articulação das várias instâncias da economia para recuperar o crescimento?
Nelson Marconi: É necessário retomar o protagonismo do setor produtivo em nossa economia. Para tal, é necessário combinar, primeiro, câmbio competitivo e juros baixos. Para isso, o ajuste fiscal é necessário, assim como medidas que ampliem a competitividade no setor financeiro. Políticas industriais serão também necessárias, bem como a atuação do BNDES nesse processo e o investimento público em infraestrutura, mas o equilíbrio macroeconômico é a condição inicial para o sucesso de outras medidas. Ele é ponto de partida para a recuperação da lucratividade do setor industrial e dos serviços modernos.
CC: O senhor e o economista Persio Arida, coordenador da parte econômica do programa do candidato Alckmin, se declararam contrários à fixação do câmbio. Como diferenciar as posições de ambos nesse assunto?
NM: O fato de eu declarar que o câmbio não deva ser fixo não significa ignorar que existe uma taxa de câmbio necessária, que intitulo de equilíbrio industrial. Essa é uma diferença substancial. Enquanto eu defendo que existe essa taxa de câmbio necessária para estimular a retomada dos investimentos industriais, acredito que o economista Persio Arida não defende a existência dessa taxa.
CC: Qual é a sua proposta para administrar o câmbio?
NM: Primeiro, à medida que as taxas de juros caírem mais e se aproximarem dos patamares externos, a taxa de câmbio deverá ir para o patamar correto. Ela está valorizada, há muitos anos (com raras exceções de pequenos períodos), devido ao diferencial entre a taxa de juros interna e externa e às frequentes altas observadas nos preços das commodities.
Uma vez que a taxa de câmbio esteja situada em torno do nível ideal, o Bacen deve intervir para neutralizar grandes oscilações. A utilização de um fundo soberano pode também contribuir para a estabilidade da taxa de câmbio e neutralizar os efeitos das oscilações dos preços das commodities, que podem resultar em um processo de doença holandesa. A previsibilidade da taxa de câmbio é fundamental para aqueles que negociam no mercado externo.
CC: Como o senhor se posiciona em relação a eventual necessidade de adoção do controle de capitais, possibilidade admitida inclusive em estudo do FMI?
NM: Não estamos pensando nesta possibilidade, pois sua adoção gera muito ruído para os investidores. Sua prática deve se restringir a situações extremas, e o controle deve ser sempre referente à entrada de capitais, nunca à saída.
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CC: Assiste-se no momento à desvalorização de todas as moedas emergentes, as do Brasil e da Argentina à frente. Como o senhor analisa esse processo e o que o Brasil deveria fazer frente ao mesmo?
NM: Esse processo afeta mais fortemente o Brasil, e particularmente a Argentina, por serem economias que nos últimos vinte e cinco anos aceitaram incorrer em déficits em transações correntes para viabilizar uma política econômica que buscasse o controle da inflação e a atração de capital externo, teoricamente para financiar investimentos produtivos, mas que foi direcionado, em sua maioria, à esfera especulativa.
A política macroeconômica em ambos os países sempre ignorou a necessidade de mantermos equilíbrio nas contas externas, fragilizando nossa posição frente aos movimentos especulativos. A situação fiscal também contribui para isso. Na medida em que a taxa de câmbio se estabilizar em um patamar mais elevado, obteremos um resultado melhor em nossas contas externas (no saldo em transações correntes), reduzindo nossa necessidade de capitais externos para nos financiar. O capital que virá ao País será aquele preocupado com a atividade produtiva, porque as grandes oscilações da taxa de câmbio, que provocam ganhos no mercado financeiro, deixarão de ocorrer.
CC: Qual é a sua proposta para enfrentar, além dos problemas crônicos dos juros altos e do real valorizado, a forte pressão baixista dos produtos industriais no mercado mundial provocada pela "fábrica" asiática e ainda o acirramento da concorrência a partir do avanço da manufatura 4.0 nos países avançados e em alguns emergentes?
NM: À medida que os investimentos forem sendo retomados no país, em função da recuperação da lucratividade, a produtividade também se elevará. A melhora da infraestrutura, o apoio logístico, a criação de condições e custos de financiamento às exportações semelhantes aos de outros países, o apoio às vendas no exterior, os acordos comerciais e a facilitação dos negócios, dentre outros, ajudarão a recuperar nossa competitividade em diversos mercados sem termos que incorrer numa indesejável precarização das relações de trabalhos e dos salários.
Nossas exportações de manufaturados melhoram quando o câmbio melhora, assim mostrou nossa experiência nas últimas décadas. Vamos ganhar mercado pelos avanços de produtividade e pela diferenciação de produtos, como fazem diversos países, e não pela redução indiscriminada de custos, que tem um impacto social muito elevado e, ainda assim, poderia ser insuficiente para competirmos com a China e outros países nos mercados de alguns produtos de baixo custo e elevada escala de produção.
CC: O discurso dominante no empresariado é contrário a qualquer tipo de coordenação por parte do Estado, mas Ciro Gomes é visto por muitos deles como intervencionista. O que o senhor teria a adiantar aos empresários sobre esse assunto?
NM: Primeiro, que é impossível pensarmos em um processo de desenvolvimento no qual Estado e mercado não estejam atuando conjuntamente. Os dois são complementares e possuem papel relevante no processo de desenvolvimento. Assim demonstrou a história. Tudo aquilo que puder ser produzido de forma competitiva tem que, sem dúvida, ser produzido pelo mercado. E o Estado deve desenhar as políticas de desenvolvimento econômico e social, participando em áreas de interesse estratégico nesse processo.
Quais são essas áreas? Depende do momento, do estágio do processo de desenvolvimento pelo qual podemos estar passando. De novo, é importante não jogar fora o bebê com a água do banho; erros cometidos em algum momento não significam que tudo deva ser privatizado. Os empresários podem ficar tranquilos que nosso objetivo é privilegiar quem trabalha e produz, assim recuperando a capacidade da economia para gerar empregos.
CC: Ciro teve participação importante nos processos de abertura comercial e de privatização. O que se deve esperar nessas duas áreas no caso de vitória do candidato?
NM: A abertura comercial pode ser saudável após colocarmos a casa em ordem, isso é, após fazermos o ajuste macro e criarmos as demais condições para que as empresas brasileiras possam competir em pé de igualdade com empresas estrangeiras, dentro e fora do país. Essas condições são aquelas citadas anteriormente.
Ampla parcela das empresas brasileiras é competitiva "da porta para dentro", isto é, quando consideramos os seus métodos de produção para comparar sua produtividade com a de empresas de outros países, mas perdem competitividade "da porta para fora", ou seja, devido a todos os problemas da economia brasileira, incluindo a infraestrutura e as desigualdades sociais. Portanto, antes de pensarmos em maior abertura comercial, que é importante, insisto, devemos melhorar as condições de competitividade de nossas empresas.
Somos amplamente contrários à privatização de setores estratégicos para o desenvolvimento do país, como Petrobras e Eletrobras. Por outro lado, também não temos preconceito em relação à privatização, mas não defendemos que tudo deva ser privatizado segundo um princípio de Estado mínimo. As possibilidades devem ser analisadas caso a caso.
O que não podemos, e essa tem sido a tônica dos defensores da privatização, é jogar fora o bebê junto com a água do banho. Erros cometidos no passado não justificam a venda de ativos relevantes e estratégicos para o processo de desenvolvimento do país; é factível criar regras para impedir que erros semelhantes sejam cometidos no futuro nas empresas públicas. Eventuais processos de privatização, ou de concessão à gestão privada, devem sempre ser guiados pelo princípio do melhor benefício ao usuário, no tocante ao alcance do serviço, qualidade e preço.
CC: O economista Armínio Fraga declarou acreditar que o País precisará promover um ajuste fiscal de 5 pontos porcentuais do PIB e reorganizar o orçamento, desvinculando todos os gastos públicos. Quais são as suas definições a respeito? Como o senhor correlaciona ajuste fiscal e crescimento?
NM: Concordo que o Brasil precisa de um ajuste fiscal. O setor público exerce um papel relevante no processo de desenvolvimento e na redução das gritantes desigualdades do país, não há dúvida, e para tal ele precisa estar fortalecido fiscalmente. Uma situação fiscal constantemente desequilibrada e a consequente elevação da dívida pública resulta em enfraquecimento da capacidade do Estado para financiar as políticas públicas necessárias, tornando-se refém daqueles que financiam a dívida pública.
Não estou defendendo que a economia de recursos seja destinada apenas ao pagamento de juros, como a análise tradicional argumenta; não é esse o ponto. Estou dizendo que as finanças do Estado precisam estar equilibradas para possibilitar o financiamento dos políticas públicas, econômicas e sociais, necessárias ao processo de desenvolvimento econômico, social e para a melhoria da distribuição de renda.
O ajuste fiscal deve ser baseado na análise das despesas correntes, sendo preservados os gastos com investimentos, educação e saúde. Em relação às demais despesas, todas devem ser passíveis de análise. Por exemplo, há ainda muito a aperfeiçoar nas regras de elaboração e execução do orçamento público para racionalizar despesas, bem como o governo precisa ter clara a necessidade de realizar um planejamento da força de trabalho, aproveitando a oportunidade que um volume massivo de aposentadorias nos próximos anos gerará.
A reforma tributária será essencial também, de modo a onerar menos a produção e mais a renda dos mais ricos. Outro ponto essencial do ajuste é a reforma previdenciária. A redução da despesa com juros e a retomada do crescimento também auxiliarão nesse processo. Estes são pontos importantes do processo de ajuste fiscal da economia brasileira.
Fonte: https://www.cartacapital.com.br/revista/1005/baixar-salarios-nao-torna-pais-mais-competitivo-diz-economista-de-ciro
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