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Catástrofe climática e o Extinction Rebellion

Se você estiver esperando que algum político de elite conserte essa bagunça ecológica, você

será deixado na mão por muito mais tempo, até a data de validade da humanidade.

Créditos da foto: (Nathaniel St. Clair)

Nos últimos anos de sua vida, o Dr. Martin Luther King falava contra o que ele chamava de “os três males que estão inter-relacionados” — a desigualdade econômica, o racismo e o militarismo. Se King estivesse vivo hoje, ele estaria falando sobre os cinco males que estão inter-relacionados, adicionando o patriarcado e o ecocídio, a destruição da ecologia habitável. Ele também notaria o perigoso aumento de um novo fascismo nacional e global ligado à presidência de um racista pernicioso que tem orgulho de acelerar a autodestruição ambiental da humanidade enquanto a mídia fica obcecada com assuntos de muito menor relevância.

Foram-me dadas três perguntas para ser respondidas hoje. A primeira é: “Como você, como historiador, mapeou a trajetória da mudança climática com o passar do tempo? Com o que temos que nos preocupar no momento?”

Deixem-me dizer da forma mais cordial possível que eu não gosto do termo “mudança climática”. Ele é suave demais. Catástrofe climática seria melhor. Se um carvalho gigante está prestes a cair em cima de sua casinha, você não diz que está correndo o risco de uma mudança de endereço. Você diz: “Meu Deus, estamos prestes a morrer e é melhor fazermos algo rapidamente”.

Na verdade não rastreei a mudança climática como um historiador. Sou um historiador urbano e trabalhista, não ambiental. A assunto da mudança climática na verdade começou a se tornar perceptível para mim com a frequentemente esquecida onda de calor de Chicago em julho de 1995, onde centenas de pessoas, muito desproporcionalmente negras, morreram.

Baseio-me no trabalho dos cientistas climáticos quanto a mastigar os números de séries temporais do aquecimento planetário, e o que eles estão nos dizendo não é bom, no mínimo. Estamos no ponto de virada do carvalho para a casa da humanidade. É o principal assunto de nosso tempo ou de qualquer tempo. Assim como Noam Chomsky disse ao Occupy Boston oito anos atrás, se a catástrofe ambiental conduzida pelo aquecimento global não for evitada nas próximas décadas, então nada mais com o que nós progressistas, igualitários e pacifistas nos preocupamos vai importar.

Em 2008, James Hansen da NASA e sete outros cientistas climáticos importantes previram “perdas irreversíveis de placas de gelo e de espécies” se a temperatura média do planeta subisse acima de 1º C, sendo que disseram que isso aconteceria se a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera chegasse a 450 ppm. Na época, o CO2 estava em 385 ppm. A única forma de ter certeza de termos um clima habitável, Hansen dizia, era que ele fosse reduzido a 350 ppm.

Hoje, passaram-se onze anos, bem além da linha vermelha de 1 ºC de Hansen. Chegamos lá com 410 ppm, não 450. É o maior nível de saturação de CO2 em 800.000 anos, 600.000 anos antes da primeira evidência fóssil de homo sapiens. Recentemente fui a uma reunião do grupo ativista Extinction Rebellion no qual foi reportado que 22% de todas as emissões de carbono da era industrial ocorreram a partir de 2009, um ano depois de Hansen ter dado seu aviso.

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da Organização das Nações Unidas reflete a opinião de consenso dos maiores cientistas climáticos do mundo. Ele nos diz que estamos indo a 1,5 ºC em 12 anos. O fracasso em cortar drasticamente as emissões de carbono entre agora e 2030 certamente iniciará acontecimentos catastróficos para centenas de milhões de pessoas, adverte o IPCC.

O IPCC acredita que estamos caminhando em nossa atual velocidade rumo a 4 ºC até o final do século. Isso significará que o planeta estará em grande parte inabitável. Situações limite de existência inabitável já estão sendo alcançadas por milhões na África Subsaariana, Ásia Subcontinental e Sudeste Asiático, partes da América Central e outras regiões onde a migração ocasionada pelo clima está ocorrendo, com significativas consequências políticas.

Numerosos cientistas das ciências da Terra pensam que o relatório do IPCC é insuficientemente alarmista. Ele omite pesquisas que demonstram a probabilidade de que “pontos de virada” climatológicos irreversíveis como o degelo do pergelissolo rico em metano do norte podem ocorrer dentro de somente “algumas décadas”.

Não sabemos realmente o quão rapidamente a ameaça existencial vai se desenvolver. Esse é um experimento que nunca foi feito antes. Com o que temos que nos preocupar? Extinção. A atual expectativa de vida das mulheres nos Estados Unidos é de 81 anos. Uma bebê nascida neste ano terá 81 anos em 2100, quando, no atual ritmo de liberação de gases estufa, a Antártida terá derretido e a floresta Amazônica terá há muito parado de funcionar como os pulmões do planeta.

Os organizadores desta conferência também me pediram para discutir “conexões entre a mudança climática, a desigualdade de classe e o imperialismo” e dar ideias sobre por que “esta interseccionalidade é frequentemente ignorada”. Deixem-me ser o mais conciso que consigo porque isso é uma ou duas teses de doutorado. Eco-marxistas como John Bellamy Foster estão corretos em relação ao capitalismo. É um sistema não só de disparidade de classe mas de domínio plutocrático da classe corporativa, o domínio dos donos e administradores do capital. E há diversos problemas ambientais com o domínio da classe capitalista. O primeiro problema é que os donos e administradores do capital não se importam realmente com nada além da acumulação de capital e lucro. Eles são sistemicamente compelidos a transformar qualquer coisa, e tudo que tiverem ao seu alcance, em commodities. Eles sempre estiveram perfeitamente satisfeitos com o lucro vindo de qualquer lugar. Eles lucram com a escravidão, o fascismo, o encarceramento em massa, as guerras sem fim, e até com a transformação do planeta em uma gigante Câmara de Gases Estufa — um crime que francamente faz com que os nazistas pareçam pequenos delinquentes em comparação.

O segundo problema é que os donos e administradores do capital estão constantemente tirando massas de seres humanos de empregos de salário digno e de redes de seguridade social e de terras comunitárias e de escolas públicas e da habitação pública, e a chamada solução única para a pobreza em massa que resulta desse constante processo de clausura que eles conseguiram oferecer é a promessa de novos empregos através de ainda mais expansão e crescimento, um desastre ambiental em diversos níveis.

O terceiro problema é que Wall Street e Bond Street e LaSalle Street e o resto das grandes ruas financeiras e de câmbio têm enormes investimentos fixos e custos irrecuperáveis em um vasto Complexo Industrial do Carbono. Eles não querem ver esse portfólio gigante ser desvalorizado pelo homo sapiens ao escolher sobreviver mantendo os combustíveis fósseis sob o solo, onde deveriam estar.

O quarto problema é que esse capital é inerente e sistematicamente oposto ao (e ameaçado pelo) planejamento social, público e ambiental na escala necessária para a tarefa de levar a humanidade para longe dos combustíveis fósseis e para a energia renovável e as práticas ambientais amplamente sustentáveis.

Em quinto lugar, regimes de domínio de classe isolam seus maiores tomadores de decisão das piores consequências ambientais de seus sistemas viciados em crescimento. Quando as pessoas vivendo nas bolhas da classe dominante começarem a sentir a ameaça existencial sobre si mesmas, geralmente já será tarde demais para que façam algo exceto coisas como tentar fazer o cara do Tesla levá-los a Marte ou transferir sua consciência para um satélite de Inteligência Artificial para vagar pela galáxia por toda a eternidade.

Com o imperialismo as conexões são menos abstratas. Consumindo mais de metade dos gastos discricionários federais da nação e sustentando mais de 1.000 instalações militares por mais de 100 nações, o próprio sistema do Pentágono tem a maior influência única quanto a carbono entre qualquer complexo institucional da Terra. O chamado orçamento de defesa rouba trilhões de dólares que precisam ser gastos com infraestrutura verde e empregos verdes se fosse para reduzir as emissões de carbono a uma escala habitável. Ao mesmo tempo, o superpoder global dos Estados Unidos há muito depende do controle sobre as reservas de petróleo e gás natural: os incríveis poderes econômicos e geopolíticos que fluem do controle sobre o fluxo, o preço e a denominação de moeda dessas reservas e os superlucros que resultam de sua extração e venda. O controle do petróleo há muito tem sido uma grande fonte de vantagem crítica estadunidense sobre o sistema mundial. O fato de que os Estados Unidos sob Obama alcançaram a chamada independência energética através de fracking e perfurações aceleradas na terra natal não muda esse cálculo estratégico. A questão nunca foi primariamente sobre obter acesso para a gasolina para nossos carros e caminhões e serviços. Sempre foi sobre a vantagem imperial crítica que o controle do petróleo dá a Washington. Um planeta que depende de energia renovável em vez de petróleo para dirigir sua economia será menos suscetível a esse tipo de dominação imperial.

Por que essas conexões interseccionais são ignoradas? Porque temos uma mídia capitalista e seus patrocinadores não estão interessados em falar sobre como o capitalismo e seu gêmeo mau imperialismo são definidos pela ideia do lucro acima das pessoas incluindo nesse caso o lucro acima das pessoas como uma presença organizada no planeta.

A questão final que me foi dada foi “Que soluções efetivas e estratégias políticas você tem a oferecer?” Isso não é o que foi perguntado, mas quero dizer seis coisas em relação ao caminho à frente. Primeiro, há um monte de informação disponível para usar para contradizer os tradicionais argumentos “custo-benefício” de que não podemos arcar com as desvantagens de um Green New Deal nacional e global e de que transicionar para a energia renovável acabará com empregos. Ambos argumentos são falsos. As tecnologias estão disponíveis e são acessíveis. Empregos verdes são remunerados e continuarão a remunerar mais que trabalhos com combustíveis fósseis. Eu tenho fontes e posso tranquilamente compartilhar os dados que apoiam tudo isso.

Segundo, não podemos arcar com NÃO fazer a transição. É sadicamente hilário ouvir comentadores de direita Democratas e Republicanos fazer análises críticas chamadas de custo-benefício sobre o grande e assustador Green New Deal. Independentemente do que se pense sobre se o Green New Deal ser radical o suficiente para fazer o trabalho completo, pelo menos os defensores do Green New Deal estão pensando seriamente sobre os benefícios de uma terra habitável. Parece que a sociedade pode querer absorver custos significativos para alcançar a continuação da espécie. Este é um clichê verde, mas verdadeiro: não há empregos em um planeta morto. Não há economia em um planeta morto.

Terceiro, precisamos estar prontos para conversar sobre empregos verdes e o que eles fazem e o quanto podem remunerar e como podemos criar redes de segurança social para trabalhadores do setor de combustíveis fósseis se quiserem vender reconversão ambiental para o povo. A direita capitalista do carbono Exxon-Mobil-Donald Trump-Joe Manchin propagou a noção de que a transformação verde é uma enorme destruidora de empregos. Devemos nos posicionar contra essa afirmação de maneiras que mostrem que entendemos e nos importamos com as preocupações da maioria da classe trabalhadora.

Quarto, precisamos ser existencialistas, não catastrofistas. A questão não é sobre uma bola de cristal. Não podemos nos importar com as probabilidades. A aposta na Transformação Verde não importa. Talvez seja somente 1 em 10. Talvez seja maior. Não importa. As chances vão a zero em dez se não fizermos nada. Deixem Las Vegas ficar com as apostas. Nós estamos no campo da ação.

Quinto, Howard Zinn estava certo. A questão não é só sobre quem está sentado na Casa Branca ou na mansão do governador ou no escritório do prefeito ou no assento da câmara de vereadores. É também sobre quem está sentado nas ruas, quem está causando disrupção, quem está emperrando o sistema, quem está desativando o capital, que está ocupando os locais de construção de dutos, as rodovias, os locais de trabalho, as prefeituras, os distritos financeiros, as matrizes corporativas e as universidades, mais além dos espetáculos bienais e quadrienais centrados em candidatos do capital e da grande mídia de grandes partidos que são anunciados a nós como “políticos” — os únicos políticos que importam. Isso é verdade quando se fala em lutar contra a violência policial racista. É verdade quando se fala em direitos trabalhistas e salários decentes. É verdade quando se fala sobre tudo isso e mais, e quando se fala sobre salvar a ecologia habitável.

Sexto, conheça seus inimigos climáticos. Se pensar que são somente os republicanos eco-fascistas, está lamentavelmente enganado. Sim, diferente de Donald Trump, Barack Obama não negou a existência do aquecimento global antropogênico, e na verdade capitalogênico. Mas e daí? Assim como Kevin Zeese e Margaret Flowers comentaram no ano passado, “Obama diluiu acordos climáticos globais e aumentou a produção e infraestrutura de petróleo e gás nos Estados Unidos… Obama presidiu sobre a maior produção de gás da história e a produção de petróleo cru cresceu 88%, a taxa mais rápida nos 150 anos de história da indústria de petróleo dos EUA”. Obama gabou-se disso para um monte de executivos do petróleo no Instituto Baker no ano passado.

Vote em quem achar que fará a diferença mas não caia na conversa da política falsamente representativa eleitoral estadunidense, o cemitério há muito tempo dos movimentos sociais estadunidenses. Torne-se um Colete Amarelo ou um Colete Verde. Vista seus coletes amarelos, verdes, vermelhos e pretos. Aprenda como construir barricadas. Estude desobediência civil. Junte-se ao grande Extinction Rebellion, que tem um dinâmico novo núcleo em Chicago e atrairá a atenção aqui e ali pelo mundo neste ano. Lembrem-se das palavras de Mario Savio: “Há um momento no qual a operação da máquina se torna tão odiosa, te faz sentir tão enjoado no coração que você não pode mais participar! Você não consegue nem participar passivamente! E você tem que colocar seu corpo nas engrenagens e rodas, nas alavancas em todo o aparato — e tem que fazer com que pare!”

Se estiver esperando para que algum político de elite conserte essa bagunça ecológica será deixado na mão por muito mais tempo que a data de validade da humanidade.

Uma versão significativamente mais curta dessas opiniões foi apresentada na Conferência de Paz de Chicago na Universidade Loyola em Chicago no último sábado.

O último livro de Paul Street é They Rule: The 1% v. Democracy (Paradigm, 2014)

*Publicado originalmente em counterpunch.org | Tradução: equipe Carta Maior

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