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Crise na Venezuela: o custo do governo Maduro para a esquerda na América Latina

Quando o Muro de Berlim caiu e o bloco socialista do Leste Europeu entrou em colapso, o impacto político foi global

A crise do governo de Nicolás Maduro carrega um dilema para a esquerda da América do Sul

A maioria das nações latino-americanas passou praticamente toda a década de 1990 com governos voltados ao livre mercado, enquanto os partidos de esquerda sucumbiam nas urnas.


Os seguidores de O Capital, de Karl Marx, daquela época começaram a "se converter"; e entre os "irredutíveis" estavam Fidel Castro e sua Revolução Cubana, que naqueles anos passavam por seus piores momentos.


Décadas depois, um novo fenômeno político volta a influenciar o tabuleiro regional: a crise da Venezuela.

É muito difícil estimar o resultado do imbróglio venezuelano, mas alguns analistas afirmam que a esquerda da região, de uma forma ou de outra, está pagando o preço pelo que vem acontecendo no país comandado pelo chavismo.


Embora, por outro lado, defensores do governo de Nicolás Maduro neguem que o pêndulo político regional esteja rumando à direita por causa do estágio atual da Revolução Bolivariana iniciada por Hugo Chávez em 1999. 


A fatura

Existem diferentes critérios para se avaliar os efeitos da crise venezuelana em projetos políticos latino-americanos que se identificam como esquerdistas, populistas, com enfoque social etc. 

O professor Edmundo Paz Soldán, professor da Universidade Cornell, em Nova York, ressalta que o impacto "pode ​​durar muitos anos" e que a principal causa disso é a falta de renovação da esquerda atual.


O analista dá o exemplo do que aconteceu na Colômbia com Gustavo Petro, que na sua opinião é um membro de uma esquerda diferente do clássico, mas foi derrotado nas urnas em 2018 sob acusações de ser "castrochavista".


"Seu apoio anterior a Hugo Chávez foi estrategicamente usado por seus rivais, apesar de ele ter tentado se distanciar da Venezuela na campanha", explica Paz Soldán à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.


Para ele, a experiência na América Latina mostra que "esses ciclos não são curtos" e é por isso que o custo pode ser muito grande.


"A contínua erosão na Venezuela e também na Nicarágua pode queimar toda uma geração se ela não for renovada", conclui.

Diferentes níveis

Para o escritor peruano Juan Manuel Robles, os níveis de influência da crise venezuelana terão diferentes pontos de vista e níveis em cada país.


O autor do livro Novos Brinquedos da Guerra Fria, de 2015, usa seu país como exemplo.

"Mais do que uma disputa clássica entre a esquerda e a direita, haverá uma polarização entre ladrões e pessoas mais ou menos honestas", disse ele à BBC News Mundo.

"Em todos os países haverá nuances, haverá um impacto, é claro, mas por outro lado, governos com problemas como o de Mauricio Macri [na Argentina] podem nos mostrar que esse crédito pode acabar muito rapidamente", diz ele.


Para Robles, a maioria dos países não viverá uma visão totalizante "como a direita quer impor, 'Maduro nos mostrou que nenhuma esquerda é válida'".

'Não há provas'

A Bolívia é o país sul-americano que mais apoia o governo de Nicolás Maduro.

O embaixador do país em Caracas, Sebastián Michel, afirma que em nenhuma das recentes eleições foram encontradas provas de que a Venezuela tenha alguma relação com o resultado das urnas.

"No Brasil, foram ações judiciais e parlamentares contra a candidatura do ex-presidente [Luiz Inácio] Lula [da Silva] e antes com a então presidente Dilma Rousseff que levaram à derrota, e não o efeito venezuelano", disse Michel à BBC News Mundo.

O embaixador boliviano destaca também o caso do Equador, onde ganhou o projeto de Rafael Correa, "embora depois o presidente Lênin Moreno tenha decidido se opor" ao padrinho político.

"Vamos ver o que acontece neste ano, onde há quatro eleições. Em três delas, Argentina, Bolívia e Uruguai, não dá para falar em uma derrota certa da esquerda."


O embaixador nega que o apoio determinado de seu país à Revolução Bolivariana custe os votos de Evo Morales nas eleições presidenciais de outubro deste ano.

"Nos afetaria mais reconhecer o Juan Guaidó [como presidente interino da Venezuela]", diz Michel.


O diplomata afirma que a Bolívia "não se sente mais só" antes da mudança de sinalização política em alguns governos. Pelo contrário.


"O país está mais consolidado em um mundo multipolarizado", diz Michel, que cita os acordos comerciais que Morales assinou.


Além disso, destaca o papel desempenhado por Bolívia, México e Uruguai como promotores de uma solução pacífica e negociada para o conflito entre o partido no poder e a oposição na Venezuela.

A velha esquerda

Paradoxalmente, Chávez e a Venezuela influenciaram muito a mudança anterior de sinal político na região.


A Revolução Bolivariana começou em 1999 e significou o renascimento para a esquerda latino-americana.


Em tempos de vacas gordas, o líder venezuelano ajudou Cuba a superar pesadelos econômicos e promoveu a carreira política de Morales em seus difíceis primeiros anos de governo.


Ele também fez uma tríade com Lula e o argentino Néstor Kirchner para derrubar a iniciativa de uma área de livre comércio continental conhecida como Alca, promovida pelos Estados Unidos.

Depois, Chávez esteve ao lado de Cristina Kirchner, Correa, Rousseff e José Mujica.


Todos eles deram origem a alianças regionais, como a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

No entanto, para Paz Soldán, "o presente está enterrando a boa memória da esperança que muitos tiveram nos primeiros anos da Revolução Bolivariana".


"Será muito difícil levantar a bandeira de Chávez nos próximos anos, da mesma forma que Che Guevara ou Fidel se levantaram por tanto tempo", diz o professor.


A nova esquerda deve ter novos símbolos e abraçar outras causas como o feminismo, a expansão do campo dos direitos, o combate à desigualdade e a agenda ambiental, afirma Paz o estudioso.


"Eles também devem erradicar o discurso desconectado da ação e recuperar a defesa dos valores democráticos, o que significa não ignorar os referendos, como fez Evo Morales na Bolívia", conclui.


O futuro da esquerda

A cientista política colombiana Marcela Prieto avalia que casos como o da Venezuela vão produzir julgamentos e distanciamentos da esquerda clássica.

"Para qualquer grupo de esquerda, justificar o que acontece na Venezuela será suicídio. Os novos grupos políticos que vemos não querem ser como Chávez ou fazer outra Revolução Bolivariana", disse a especialista à BBC News Mundo.

Prieto indica que os novos movimentos buscam ser mais exigentes, "com agendas que não pertencem a essa esquerda", como a ambiental ou as questões de gênero.

A cientista política afirma que, mesmo que os grupos emergentes de esquerda estejam se distanciando dos antecessores, o chavismo permanecerá por muito tempo como uma força política.


"Chávez é visto como um mártir e figura mítica entre muitos setores da população [da Venezuela]."


Enquanto isso, o escritor peruano Juan Manuel Robles acrescenta que a Venezuela deixará outro efeito político para o futuro - talvez positivo para muitos.


"Desde a Revolução Bolivariana, a esquerda emergente acabou se separando da clássica esquerda latino-americana, aquela que foi marcada por tudo o que representava Cuba."

Uma mudança que, segundo o autor, acabará por divorciar essa corrente política de sua versão do século passado.


Fonte: BBC Brasil

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