Em entrevista para o site do Programa Interdisciplinar Trópico em Movimento, a professora Sâmia Batista, da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal do Pará conta sobre os aspectos e características do Design Decolonial, tema de sua tese de Doutorado, como também a sua importância para a comunidade acadêmica e para o desenvolvimento científico da região amazônica.
Decolonial é um termo recente e surge com o movimento latino-americano que busca compreender a modernidade por meio de teorias críticas voltadas incialmente, para os estudos étnicos, de gênero, educacionais e sociais, a partir do conhecimento não subalterno dos fenômenos que constituem o continente latino-americano, incluindo a Amazônia.
Essa temática também está inserida em outras áreas como o design, que visa questionar a herança do pensamento modernista e criar outras perspectivas de pensamento sobre o design de acordo com o conceito decolional.
E é com base nesta concepção, que a professora da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal do Pará, Sâmia Batista, 39 anos, atua na área do Design Visual e promove o ensino, pesquisando sobre gráfica popular na Amazônia através do projeto Letras que Flutuam. Ela também desenvolve projetos, processos e produtos, por meio de consultorias, principalmente, para o terceiro setor e Economia Criativa.
Atualmente, a professora Sâmia Batista está desenvolvendo a sua tese de doutorado em Design pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e participa do Laboratório de Design e Antropologia da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) da UERJ, que desenvolve pesquisas e projetos em Design Participativo e sobre os estudos do Design Decolonial.
Em entrevista para o site do Programa Interdisciplinar Trópico em Movimento, a professora conta sobre os aspectos e características do Design Decolonial, tema de sua pesquisa, como também a sua importância para a comunidade acadêmica e para o desenvolvimento científico da região amazônica. Confira:
Trópico em Movimento: Como surgiu o interesse pela temática decolonial no design amazônico?
Sâmia Batista: O campo do Design Decolonial ainda está em formação, mas vem crescendo rapidamente em função das pesquisas desenvolvidas por designers latino-americanos, sul-africanos, australianos, dentre outras nacionalidades que foram marcadas pela experiência colonialista. Parte de uma perspectiva antropológica, questionando as diferenças instituídas pela Modernidade, enquanto fruto da expansão colonialista e do estabelecimento do capitalismo como sistema econômico hegemônico. Tais processos históricos definiram uma escala de qualidade em relação à produção de artefatos materiais e imateriais, qualificando a produção dos países hegemônicos como o modelo a ser seguido e assentando a produção originária dos países periféricos em um espaço de subalternidade. O Design participa desse processo, como agente e como objeto. Pela visão modernista podemos entender o Design como um saber resultante do desenvolvimento industrial europeu. Em uma visão decolonialista, é possível avaliar a produção material humana como resultante de uma atitude inerente ao ser humano, a de PROJETAR, então podemos afirmar que o Design já era praticado nos países periféricos no período pré-colonial.
Para mim essa percepção se tornou muito evidente ao observar situações de diferença em dois momentos: na valorização do Design do Sudeste em relação ao Norte (a escala de qualidade do design em um âmbito regional) e em projetos de design junto à grupos de base comunitária (pelos quais o designer atua mediando a inserção de artesãos, produtores rurais e outros atores sociais na lógica da produção de mercado). Nessas duas situações o design amazônico é considerado em um âmbito periférico, tanto para os profissionais de Design que precisam adequar seus projetos a uma estética hegemônica de origem europeia e à lógica de mercado, ainda que a Amazônia tenha um cenário econômico radicalmente diferente dos polos econômicos; quanto para os grupos de base comunitária que se veem forçados à modificar suas práticas para se adequarem à demandas comerciais contemporâneas. A partir daí, é possível questionar qual o sentido do Design na Amazônia a partir de uma lógica decolonial, que questiona a herança do pensamento modernista e nos abre perspectivas outras para pensar o Design a partir de uma lógica local.
Trópico em Movimento: Como o curso Mercado Mundial contribuiu para a sua pesquisa neste sentido?
Sâmia Batista: O curso foi fundamental para entender o processo de modernização a partir de uma ótica periférica, ou seja, do ponto de vista dos países que foram colonizados. Outro ponto importante foi compreender a inserção da Amazônia no âmbito do Mercado Nacional e Global, e a relação histórica de exploração capitalista. Por último, as discussões sobre o Desenvolvimento Local me mostraram perspectivas mais autênticas para compreender o Design na Amazônia, uma vez que o campo se vincula à Economia Local de forma intrínseca.
Trópico em Movimento: Qual a importância de um curso como este para a comunidade acadêmica?
Sâmia Batista: A de permitir a aproximação com temas complexos, em um formato intensivo. Além disso, permite trocas fundamentais entre pessoas interessadas pelo tema, criando redes e possibilitando oportunidades entre os próprios participantes.
Trópico em Movimento: O que é o design na Amazônia? De que forma ele se manifesta? Quais os seus diferenciais?
Sâmia Batista: Na Amazônia, o campo do Design (entendido como ferramenta de inovação de produtos, serviços e processos) pode ser considerado recente. O 1º curso de graduação em Desenho Industrial foi ofertado pela Universidade Federal do Amazonas em 1988. No Pará, a Universidade do Estado do Pará lançou o bacharelado em 1999. Tais cursos responderam à demandas regionais de desenvolvimento, além da criação de outras instituições públicas e privadas. Em linhas gerais, o design amazônico se vincula essencialmente às políticas públicas associadas às cadeias produtivas, que demandam soluções de Design para agregar valor à produção e melhorar seu diferencial competitivo. Assim sendo, é um setor flutuante, em constante amadurecimento, mas que ainda depende de investimentos para ganhar visibilidade e fortalecer o mercado. Em paralelo há demandas na esfera dos serviços privados que são atendidas pelos diversos escritórios de Design da região, que possuem diferentes perfis. A autenticidade do Design Amazônico se dá pela linguagem, com influências estéticas estrangeiras e tradicionais amazônicas, sendo, portanto, híbrida.
Trópico em Movimento: Quais os desafios acadêmicos em se pesquisar design na região amazônica?
Sâmia Batista: Embora as pesquisas sobre Design na Amazônia sejam numericamente expressivas (dedicadas em sua maioria à pesquisa de materiais locais e também à comunicação visual), especialmente em função da produção das Universidades, há poucos dados disponíveis sobre a relação do Design com a Economia, que acaba sendo a base propulsora do setor. Na minha pesquisa venho analisando os planos de desenvolvimento regional para compreender a inserção do Design como elemento de inovação na Amazônia. Esses dados devem favorecer o entendimento das dinâmicas e estruturas que o Design se associa, bem como dos discursos no qual se baseia, como o do Desenvolvimento. Minha questão, porém, te a ver com o tipo de Desenvolvimento que o Design se associa na Amazônia, e quais consequências tais discursos atribuem ao setor.
Trópico em Movimento: Como desenvolver aporte teórico e pesquisas voltadas para o design na Amazônia? Qual o papel das Universidades da região amazônica em relação a isso?
Sâmia Batista: O papel das Universidades é essencial nesse processo, principalmente pela produção intelectual dos grupos de pesquisa e dos projetos desenvolvidos em sala de aula em interação com pesquisas de campo. Outro ponto fundamental é a interdisciplinaridade, uma vez que o Design é um campo multidimensional, que se relaciona com todas as áreas do conhecimento. Infelizmente o Design ainda é visto apenas como uma área técnica, de conhecimento prático e sem profundidade. No entanto, mais do que uma ferramenta, o Design é um saber intrínseco a todos, pois projetar faz parte da natureza humana. Não pode, portanto, ser entendido apenas por seu caráter funcional.
Trópico em Movimento: Quais projetos ou métodos você desenvolve ou pretende desenvolver em relação a esta temática dentro da UFPA?
Sâmia Batista: No Doutorado participo do Laboratório de Design e Antropologia da ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ), que desenvolve pesquisas e projetos em Design Participativo (que foi tema da minha pesquisa de Mestrado) e debruça-se sobre os estudos do chamado Design Decolonial. No retorno do Doutorado pretendo criar um Laboratório de Pesquisa e Projetos em Design que priorize as problemáticas locais indo além da função mercadológica do Design, que acaba sendo o vetor da maior parte da produção científica na área. A mim interessa mais em como o Mercado estabelece diferenças sociais e culturais no território, utilizando o Design como ferramenta. O Design pode contribuir fortemente em questões de exclusão estimuladas pelo Capital (como a especulação financeira, a questão agrária, a questão alimentar, dentre outras) e essa é uma frente que pretendo priorizar como professora da UFPA.
Trópico em Movimento: Quais as suas expectativas em relação ao desenvolvimento de pesquisas e estudos relacionados a esta temática nas Universidades?
Sâmia Batista: Minha expectativa é de crescimento, especialmente das pesquisas que detectam a fragilidade dos discursos hegemônicos em ambientes pautados pela diversidade, como a Amazônia. Sendo assim, é fundamental aproximar o Design da Antropologia e das Ciências Sociais. Além disso, pesquisas que favorecem processos de autonomia diante do Capital são necessárias, uma vez que, nessas disputas, os vencedores e perdedores já estão instituídos. É preciso confrontar essa assimetria em um âmbito global, entendendo que a Amazônia é um importante elemento dessas disputas.
Sâmia Batista desenvolvendo atividades no Ver-o-Peso e em eventos voltados para o Design na Amazônia. Foto: arquivo pessoal.
Por Karina Samille Costa
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