As observações na expedição pela América espanhola estão reunidas em nove volumes guardados na Biblioteca Estatal de Berlim. Será que algum dia serão decifradas todas as suas informações?
As descobertas de Alexander von Humboldt foram documentadas meticulosamente. Sempre que tinha tempo, ele anotava os dados das medições em seus diários e descrevia as impressões cotidianas, reunindo 3.442 páginas de ensaios científicos com base em suas pesquisas de campo.
Escritos principalmente em francês, mas também em alemão e com eventuais palavras em latim, decorados com desenhos a mão livre e artefatos colados nas páginas, os nove volumes que compõem os diários são mais do que apenas um documento sobre os países visitados.
Depois de serem disponibilizados na Biblioteca Estatal de Berlim a cientistas após a Segunda Guerra Mundial, os diários foram devolvidos em 2005 aos herdeiros legítimos de Humboldt, a família Von Heinz.
Em 2013, a Biblioteca Estatal de Berlim comprou dos descendentes da família Humboldt os nove volumes encadernados em couro por 12 milhões de euros. Mas a história dos diários (Humboldts Tagebücher) não é tão simples. Os próprios livros têm uma história complicada.
Para Humboldt, os diários de sua aventura nos trópicos americanos de 1799 a 1804 foram uma ferramenta importante na sua busca para popularizar a ciência. Ele começou a escrevê-los na França e prosseguiu nos seis anos seguintes, na Espanha, Ilhas Canárias, atravessando o Atlântico, na Venezuela, em Cuba, Colômbia, Equador, Peru e México. No início, ele escreveu em alemão, depois, em francês. Há também notas em espanhol, português, italiano, grego, latim, inglês e vários idiomas indígenas.
Embora o papel seja grosso e robusto, a minúscula caligrafia de Humboldt é difícil de ler. Ele próprio misturou a tinta, às vezes mais clara, outras, mais escura. Os diários contam a história de um aventureiro, pioneiro destemido, que muitas vezes arriscava a vida por anotações sobre tudo, desde zoologia e povos indígenas até história, plantas e estrelas. Os cadernos suportaram umidade tropical extrema, temperaturas congelantes e terremotos. Até sobreviveram a um naufrágio no rio Orinoco.
De 1799 a 1804, Alexander von Humboldt e o botânico e médico francês Aime Bonpland fizeram uma expedição científica por Venezuela, Cuba, Colômbia, Equador, Peru, México e Estados Unidos. Nesse tempo, eles coletaram milhares de espécies de plantas, as secaram e as prepararam para serem enviadas à Europa para um estudo posterior, como esta Dasyphyllum argenteum, que só é encontrada no Equador.
O que diferencia os diários dos livros publicados por Humboldt é a percepção que dão sobre como ele realmente trabalhou e desenvolveu suas ideias. Os escritos estão permeados de diagramas, gráficos, mapas e desenhos. Eles incluem notas e esboços sobre manchas solares, eclipses solares e lunares, formações rochosas, montanhas e vulcões, medições barométricas e cálculos trigonométricos de altura, distância ou curvatura da Terra.
Depois de cinco anos na América espanhola, Humboldt, então com 34 anos, nunca mais deixou os diários fora de vista por muito tempo. Nos 55 anos seguintes, continuou detalhando as anotações, fazendo observações ou colando pedaços de papel com notas ou correções.
Poucos anos antes de morrer, porém, ele reorganizou completamente os diários e recuperou as capas de couro marrom. Mas numa lógica só compreendida por ele. De forma confusa, as 4 mil páginas não só cobrem seu tempo na América tropical, mas também incluem notas aparentemente desconexas sobre viagens anteriores, bem como seu tempo na Itália em 1805.
Estranhamente, seções inteiras foram encadernadas de cabeça para baixo e há dezenas de páginas em branco por todo o lado. Lamentavelmente, parece haver algumas partes em falta, como a viagem de retorno pelo Atlântico.
Humboldt nunca se casou ou teve filhos. Quando morreu, em 1859, aos 89 anos, deixou a maioria de seus pertences para a família Seifert, que tinha tomado conta dele por mais de três décadas. As únicas exceções foram um lote de manuscritos e seus diários de viagem, que deveriam ser guardados pela família de seu irmão, mas continuar acessíveis a outros cientistas.
Isso nunca aconteceu. Em vez disso, apenas alguns de seus papéis foram disponibilizados à ciência. A sobrinha de Humboldt guardou os diários no palácio de Tegel, residência da família Humboldt, até que os russos saquearam o local no fim da Segunda Guerra Mundial.
Os diários acabaram na Biblioteca Lenin em Moscou e no início de 1958 foram devolvidos à Alemanha Oriental, ocupada após a guerra pelos soviéticos. Durante décadas, nem a família nem os diplomatas da Alemanha Ocidental conseguiram recuperá-los. Só depois da queda do Muro de Berlim é que a família conseguiu finalmente obter os diários e emprestou-os à Biblioteca Estatal de Berlim durante cerca de uma década.
Em 2005, os herdeiros mudaram de ideia, retomaram os diários e os levaram para Londres. O governo alemão havia deixado de adicioná-los à lista de bens do patrimônio cultural de importância nacional, o que proibiria a venda ao exterior. Após anos de negociações, foi acertada a compra e os manuscritos voltaram à Biblioteca Nacional em Berlim.
Cada página e pedaço de papel foram digitalizados e disponibilizados na internet. Finalmente, 155 anos após a morte de Humboldt, seus desejos eram cumpridos e os diários de viagem estavam disponíveis para os estudiosos e também para qualquer pessoa no mundo.
Ainda hoje, projetos paralelos na Universidade de Potsdam, na Academia de Ciências Berlim-Brandemburgo e na Biblioteca Estatal continuam decifrando os manuscritos de Humboldt, em busca de um significado mais profundo, cabível no contexto do século 21.
Em homenagem ao 250º aniversário de Alexander von Humboldt os nove volumes de seus diários de viagem estarão expostos na Biblioteca Estadual de Berlim de 12 a 14 de setembro de 2019.
Fonte: DW Notícias
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