Elmar Altvater, falecido em 1º de maio, cedo chamou a atenção ao fato de que o modo capitalista de produção conduz à destruição irreversível da riqueza natural. Com correspondente intensidade, refletiu sobre saídas.
Por Raul Zelik*
Elmar Altvater foi um homem de múltiplas facetas: cozinheiro extraordinário e anfitrião generoso; um indivíduo antiautoritário, que fundou um dos primeiros jardins de infância antiautoritários em Berlim Ocidental, mas por vezes também um catedrático de modos bruscos; um ativista dos movimentos sociais, que militou nos grupos mais diversos imagináveis da oposição extraparlamentar, da Confederação Socialista de Estudantes Alemães a Attac; um homem de partido, que abandonou o Partido Verde depois da participação da Alemanha na Guerra da Iugoslávia, para ingressar poucos anos depois no Partido da Esquerda, para o qual ele redigiu partes centrais do programa; um leitor de romances e obras de fundamentação filosófica, que ele deixava entrar nos seus textos científicos; e ao mesmo tempo um autor que se dirigia a um público mais amplo e redigiu para o WOZ [um hebdomadário suíço de orientação esquerdista] numerosas contribuições depois da crise financeira de 2008.
Mas a característica mais importante de Elmar Altvater certamente foi o fato dele ter sido um dos pouquíssimos economistas, que imbricaram com coerência a análise marxista da sociedade com a ecologia.
O aquário e a sopa de peixes
Elmar Altvater iniciou a busca de um socialismo verde já nos anos 60, se doutorou com uma tese sobre problemas ambientais na União Soviética. Em 1971 tornou-se titular de Economia Política na Universidade Livre de Berlim. Ele mesmo enfatizou muitas vezes que deveu esse cargo também a um movimento social, pois grupos estudantis tinham exigido a nomeação de um marxista para a cátedra.
Nos anos 70 as ênfases de Altvater ainda eram a teoria marxista e a investigação de crises econômicas. Além disso ele ajudou então a fundar a “Prokla”, uma importante revista trimestral de sociologia crítica, publicada até os dias atuais. Mas nos anos 80 ele se passou a dedicar muita energia ao projeto de desenvolvimento de uma crítica da sociedade, de cunho ecológico-marxista.
Importantes foram nesse sentido as suas estadias mais prolongadas no Brasil, que o levaram, entre outras cidades, à Amazônia, mais especificamente a Belém do Pará. Chamou a atenção ao fato de que processos de beneficiamento promovidos pelo homem e tidos na economia como potenciadores da riqueza, muitas vezes destroem de modo irreversível a riqueza natural. Ele apreciava ilustrar essa tese com uma piada antiga: é possível transformar um aquário em uma sopa de peixe, mas não uma sopa de peixe em um aquário.
Com isso ele revelava os contornos de um problema fundamental da economia: embora a palavra grega “oikonomia” originariamente tenha designado o uso parcimonioso de recursos escassos, a economia atual acaba destruindo os fundamentos naturais. As grandes escolas econômicas ignoram sistematicamente as leis físicas da energia e da natureza.
Com isso Elmar Altvater não demorou em chegar ao historiador da economia Karl Polanyi, um socialista herético, que desenvolvera em 1944 no seu famoso livro “The Great Transformation” o conceito do “desarraigamento dos mercados” [disembedding of the markets]. Justamente o que torna o mercado tão inovador e dinâmico revelou ser uma fatalidade para a sociedade. Com base no séc. XIX e no início do séc. XX, Polanyi mostrou como a libertação do mercado de barreiras políticas e morais resultara na destruição dos fundamentos sociais da sua própria existência. O mercado desenfreado teria destruído a coesão social e com isso preparado o terreno para a ascensão do militarismo e de movimentos racistas, por fim das guerras mundiais.
Altvater retomou esse argumento e aplicou-o à questão ecológica. Quando depois do colapso do Bloco Leste o mercado parecia ter comprovado em definitivo a sua superioridade e os economistas keynesianos foram empurrados para fora das universidades juntamente com os marxistas, publicou os livros “O futuro do mercado” (1991) e “O preço do bem-estar” (1992), nos quais ele mostrou as capacidades, mas também os problemas fundamentais da regulação do mercado. O aspecto central da sua argumentação foram os efeitos de externalização, abordados recentemente por Stephan Lessenich, sociólogo da Universidade de Munique, no seu muito comentado livro “Ao lado de nós, o dilúvio” (2016).
O preço do futuro
Elmar Altvater analisou esses efeitos já há 25 anos. No mercado, os concorrentes empenham-se constantemente em repassar os custos para fora ou para o futuro. Às vezes fazem isso de forma ilegal, depositando lixo em florestas, às vezes de forma legal, exportando substâncias tóxicas a países africanos ou asiáticos. Às vezes os custos também são simplesmente repassados aos clientes.
O efeito de externalização atua de modo especialmente dramático ao longo do tempo: mais especificamente, quando as consequências da ação econômica somente se manifestam efetivamente décadas mais tarde. O melhor exemplo disso é a mudança climática. Seus custos deverão aumentar imensamente nos próximos anos. Mas aqueles, que os causaram com emissões de CO2, em parte já puderam contabilizar seus lucros há décadas ou vivem a milhares de quilômetros das ilhas destruídas pelo aquecimento global.
Combinar os enfoques
Altvater insistiu com muita coerência que se levasse a sério o caráter global do capitalismo e compreendesse a imbricação das consequências ecológicas e sociais. Isso levou-o mais recentemente à tese de que não vivemos no “antropoceno”, ou seja, num período da história do planeta definido pelo gênero humano, mas num “capitaloceno”. O processo de transformação, que transforma a natureza do nosso planeta de modo tão dramático, teria sido iniciado somente pelo uso industrial de combustíveis fósseis, tal como posto em marcha pela coação do capital à sua valorização permanente.
O traço grandioso na personalidade de Elmar Altvater foi que ele levou a sério as legítimas demandas da natureza sem perder de vista as relações sociais das classes inferiores entre nós e no Sul Global. Hoje fica cada vez mais claro que a esquerda só pode ter futuro como movimento ecossocialista. Na prática, porém, os movimentos de esquerda enfrentam dificuldades na combinação dos enfoques: como os ativistas da luta contra a mudança climática e os trabalhadores da extração de hulha a céu aberto podem formular agendas comuns?
Como os sindicatos podem impor maior participação material sem com isso promover um consumismo estúpido? Como a situação de vida no Sul Global pode ser melhorada com a paralisação simultânea da máquina de triturar do crescimento econômico? Elmar Altvater mostrou que não apenas devemos, mas podemos pensar as coisas em conjunto.
Também por esse motivo sua falta será muito sentida.
Traduzido por Peter Naumann
* Raul Zelik publicou juntamente com Elmar Altvater em 2009 o livro “Topografia da utopia”, uma conversa sobre os mitos do capitalismo e a sociedade vindoura
Fonte: https://rosaluxspba.org/em-busca-de-um-socialismo-verde/
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