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Equador: Rafael Correa voltará?

Pobreza volta a crescer, após alinhamento com EUA e submissão ao FMI. Derrotado nas eleições, e sob denúncias de corrupção, governo de Lenín Moreno encolhe. Ex-presidente, hoje na Europa, terá ainda um papel?

O povo equatoriano parece sentir saudades do ex-presidente Rafael Correia. Era uma época de pujança: o país era chamado de “jaguar latino-americano”. Falava-se do “milagre equatoriano”. Não era para menos. Entre 2006 até 2017 – ano em Lenín Moreno foi eleito, com apoio de Correa – a pobreza caiu de 38% para 22%, segundo dados da CEPAL; segundo dados do governo, a pobreza extrema que afetava, em 2006, 16,9% da população foi reduzida para 8,7% em 2017; o Equador tornou-se um dos países que mais reduziu as desigualdades: o Índice de Gini caiu de 0,551 em 2007 a 0,466 no final de 2016. Cresceu uma rede de serviços públicos de qualidade, beneficiando milhões de equatorianos.

Moreno não goza de tanta credibilidade, sendo reprovado por 55,4% da população, segundo pesquisa do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (Celag). Para agradar o FMI, depois de receber um pacote de 4,2 bilhões de dólares, ele aplicará uma série de medidas “austeras” que inclui cortes em programas sociais, revisão dos subsídios aos preços dos combustíveis e restrição à contratação de funcionários públicos, além de reduzir os salários dos que ficarão. O presidente se defende: argumenta que o contexto é outro e que seu antecessor estraçalhou o orçamento da República. Mas, mesmo assim, muitos apontam Moreno como um traidor. Não somente por promover frequentes linchamentos midiáticos e jurídicos contra Correa, antigo aliado político, e seu círculo próximo. Mas, principalmente, porque prometeu em campanha intensificar a Revolução Cidadã e, agora, abre o país ao FMI, é complacente com a cobrança de impostos dos milionários, corta gastos sociais e dá importantes ministérios à membros da oligarquia equatoriana.

O pesquisador do Centro Latinoamericano de Análisis Estratégico (CLAE), Eloy Osvaldo Proaño, destacou: “as erradas políticas internas e externas do presidente Lenín Moreno ressuscitaram o ex-presidente Rafael Correa, cuja figura saiu fortalecida, apesar de concorrer sem partido as eleições para prefeitos e contornar inúmeras barreiras impostas pelo órgão eleitoral, a maquinaria pesada do governo e os meios de comunicação hegemônicos”.

Dentro desses erros, seguramente está a retirada do asilo político que Rafael Correa concedeu a Julian Assange, o que resultou em sua prisão na manhã de hoje (dia 11) – e já está gerando grande repercussão mundial, principalmente depois que Moreno foi acusado de tentar “vender” o fundador do Wikileaks para os EUA, em troca do perdão de algumas dívidas. “A paciência do Equador chegou ao limite”, acrescentou o presidente, acusando o australiano de “violar as convenções internacionais e o protocolo de coabitação”. “Prisão de Assange é vingança pessoal do presidente equatoriano”, rebateu Correa.

Enquanto Moreno e Correa travavam essa épica batalha, a militância parecia cochilar. Desmobilizada, promoviam poucas manifestações de ruas. Talvez a distância do ex-presidente, convocando uma oposição do alto de sua casa na Europa, não tenha ajudado muito. O fato é que a Revolução Cidadã parecia perdida. Mas, de acordo com o articulista do Rebelión, Nacho Dueñas, dois recentes fatos podem catapultar o retorno de Rafael Correa à presidência do Equador.

As eleições locais. A Revolução Cidadã, segundo o articulista, conseguiu, enfim, se articular: possui militância e base eleitoral. Nas últimas eleições, realizadas no dia 24 de março, a direita, com todo seu aparato financeiro e midiático, ganhou os mesmos feudos de sempre e o partido de Moreno, o Alianza País, quase desapareceu do mapa político. As esquerdas extracorreistas, representada em grande parte pelo partido indigenista Pachakutik, tiveram votação significativa, mas a Fuerza Compromiso Social, onde se inscreveram os aliados de Correa, teve importantes resultados relativos . Sem tempo (se inscreveram cinco dias antes de terminar o prazo final), sem quadros (para a maioria dos cargos não conseguiram inscrever nenhum candidato), sem dinheiro e sofrendo grande linchamento midiático e jurídico, conseguiram eleger em Quito, por exemplo, dois membros entre os sete do Conselho de Participação Cidadã. Para a Prefeitura da cidade, apesar de ter ganhado o centrista Jorge Yunda (Centro Democrático), com 21%, a “correísta” Luisa Maldonado ficou em segundo lugar, com 16,44%. Também conseguiram ganhar prefeituras como Manabí e Pichincha, apesar de que em Guayaquil a direita tenha, novamente, mantido seu poder.

O escândalo de corrupção do INA Papers. Uma bomba que explodiu no colo de Moreno: Rafael Correa denunciou que o presidente equatoriano e seu irmão tem uma empresa offshortem um paraíso fiscal e recebem propinas de grandes empresas internacionais que atuam no país. A princípio, ele negou. Depois, voltou atrás e disse que a conta, de fato, existe, mas que quem a criou foi seu irmão e ele não tem nada a ver com isso. Isso abalou o Palácio de Carondelet: se Moreno já tinha grande deficit de credibilidade com o povo equatoriano, com essas denúncias a situação piorou.

Esses fatos, na opinião de Nacho Dueñas, podem acelerar o retorno da Revolução Cidadã ao poder. Sem organização, os aliados de Correa ignoravam seu próprio potencial eleitoral, que se mostrou com “teto alto” para crescer. Pensavam que, ao final do mandato de Moreno, em 2021, os virtuais candidatos apoiados por Correa não teriam forças para disputar a presidência contra Jaime Nebot, candidato que provavelmente representará a elite financeira. Afinal, depois do plebiscito convocado por Moreno, em 2018, ficou proibido a “releição indefinida”, impossibilitando que um ex-presidente se postule ao mesmo cargo. Pensava-se também que qualquer ação mais incisiva contra o atual presidente só fortaleceria a oposição da direita. Com as boas-novas sobre a mesa, a volta de “correísmo”, portanto, seria só uma questão de tempo.

Uma visão otimista sobre o refluxo das esquerdas latino-americanas

Nacho Dueñas parece ver essa “volta certa” do “correísmo” à presidência como parte de uma retomada do poder pelas esquerdas latino-americanas – depois de um evidente refluxo. Assim, a esquerda também estaria despontando para ganhar as eleições na Bolívia (pelo trabalho bem-feito de Evo Morales) e na Argentina (pelo trabalho malfeito de Maurício Macri).

“Tudo indica que o ciclo antineoliberal inaugurado por Hugo Chávez não desapareceu”, escreve Dueñas. “Não desapareceu, mas está passando por um refluxo, como sustenta Álvaro García Linera. Mas o refluxo vai passar e a iniciativa será recuperada. Assim, a América Latina continuará sendo, como na última década afirmou Noam Chomsky, a área de maior efervescência revolucionária do planeta”, acredita o autor.


Fonte: Outras Palavras

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