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Os desafios da educação nesta América Latina governada pela direita

Por Héctor Poggiese

Segundo o professor Boaventura se Sousa Santos, nós vivemos na América Latina uma etapa que é, simultaneamente, anticapitalista, anticolonial e antipatriacal. Nosso pensamento anticolonial em educação está conformado por expressões históricas impecáveis.

Simón Rodríguez, professor responsável pela formação acadêmica do libertador venezuelano Simón Bolívar, dizia que “o título de mestre não deve ser dado a outros senão àqueles que sabem ensinar, ou seja, ao que ensina a aprender.

O libertador argentino José de San Martín sentenciou: “a educação forma o espírito dos homens [...] dela dependem as nações que buscam variar alternativas ao ser político”.

O pedagogo brasileiro Paulo Freire orientava: “ensinar é possibilitar aos alunos a produção do conhecimento em colaboração com os professores, ao promover sua curiosidade e torná-la cada vez mais crítica”.

Nos Anos 60 e 70 do Século XX, se instalou a teoria da desescolarização na educação. “A escola está morta”, diziam, para não ter que responder aos anseios das sociedades. O projeto consistia em limitar a educação ao que se aprende dentro de casa, despojando a sociedade dessa responsabilidade.

Embora esse processo crítico para com a educação escolar como elemento da comunidade educativa tenha sido, em parte, revertido pelos governos nacional-populares, com políticas educativas favoráveis à instituição escolar, o fato é que assistimos, no presente, uma nova e mais concentrada fase da globalização financeira e a restauração conservadora nos governos, que inclui uma ofensiva destinada a corromper o papel da educação.

Trata-se de desvalorizar a educação como direito e descaracterizar as atividades escolares. Ou fomentar um conceito de “escolas charter”, nas quais se renuncia a uma política educativa e a deixa nas mãos de grupos familiares homogêneos. Ou se aposta por um modelo de controle dos conteúdos e da pedagogia, para evitar que a educação seja como propunham Rodríguez, San Martín e Freire. A ideia é militarizar os diretores e as condutas dos alunos, ou cortar seu financiamento, considerado um gasto inútil.

Assim, as universidades passaram a ser o alvo preferido, e submetidas a humilhações e sabotagens administrativas ou financeiras, comparáveis somente aos que receberam durante as ditaduras militares que assolaram nossa região nos Anos 70 e 80, inseridos em processos democráticos que às vezes só o são em aparência.

Apesar de que a unidade latino-americana – que vinha se tornando realidade nos primeiros quinze anos deste século - sofrer freios e retrocessos, o fato é que todas as inovações transformadoras praticadas em nossos países, ou que estão sendo copiadas em outras nações em desenvolvimento, são de altíssimo valor, e é irrenunciável o registro e sistematização dessa realidade, colocando seus realizadores em contato e intercâmbio permanente. O sonho da Pátria Grande continua, e nada se perderá.

Tudo isso é parte de uma batalha cultural ainda mais ampla, voltada à construção de subjetividades e da instalação de um “sentido comum” através de um processo de dominação midiática, capaz de dissolver em segundos a construção coletiva – segundo Freire – da educação e apagar a formação política do cidadão. Convém considerar, aqui, o papel educador complementar do carácter emancipador das experiências de comunicação alternativa.

Neste contexto, parece necessária – talvez imprescindível e inadiável – a tarefa de configurar uma estratégia sociopolítica latino-americana, pluricultural e intersetorial, que se mobilize na defesa da educação e imponha uma barreira contra essas ameaças que se apresentam como armas das elites globalizadas.

Essa estratégia deve congregar as comunidades de diferentes cores, espalhadas pela Pátria Grande, incluindo os mais diversos países e culturas conviventes em nossos países da América Latina; de diferentes níveis estatais, com visão e práticas democráticas, sejam nacionais, provinciais, estaduais, departamentais, regionais, distritais ou municipais; ligados aos mais variados setores governamentais, não apenas da educação mas também da saúde, do trabalho, do desenvolvimento social, ambiental e do habitat popular; de organizações da sociedade civil e comunitárias, das universidades, das escolas técnicas e dos meios alternativos de comunicação.

Esta congregação poderia tomar a forma de um foro, permanente no tempo e múltiplo em atividades, com o objetivo de chegar às mais amplas e profundas camadas da população da nossa região. Uma forma tensa em seu fazer produtivo e extensa em sua projeção territorial: um foro organizado e atuante, sobre uma combinação de eixos estratégicos como os seguintes:

a) Proteção da escola em todos os seus níveis, como instituição básica alfabetizadora, geradora de socialização e integração, sustentada em sua comunidade educativa (docentes, alunos, famílias, sociedade local);

b) Resgate, sistematização e intercâmbio de experiências e práticas de educação formal e não formal, caracterizadas por métodos participativos, democratizantes e transformadores;

c) Intervir na batalha cultural com uma ação educativa de comunicação emancipadora no campo das ideias, combatendo a formação de sentido da imprensa dominante e liberando a subjetividade do sujeito popular;

d) Contribuir para o restabelecimento e a instalação da cooperação entre os povos e governos da região latino-americana, compensando os vazios emergentes dos ataques à Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e ao Mercosul, com a consequente diminuição do seu papel integrador, colocando, assim, a educação como um vetor conjuntural ativador do latinamericanismo.

De novo, a voz de Simón Rodríguez reflete sobre “onde buscaremos os modelos? A América Espanhola é original. Original hão de ser suas instituições e seu governo, e originais em fundar uns e outro. Ou inventamos ou erramos”.

Héctor Poggiese é acadêmico da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) e integrante da Rede Latino-Americana de Participação Popular em Políticas Públicas (PPPP)

*Tradução de Victor Farinelli

Fonte: Carta Maior

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