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Tragédia de Mariana

Sem indenização, vítimas pescam em área contaminada e já acumulam R$ 833 mil em multas

A lama da barragem de Mariana, em Minas Gerais, contaminou a foz do Rio Doce, a mais de 430 km de distância

O impacto ambiental também foi gigantesco: além da contaminação da água e soterramento de nascentes, milhares de peixes e outros animais morreram.


A economia local, que vivia da pesca e do turismo às margens do rio, entrou em colapso e ainda não se recuperou três anos depois. Cresceu o desemprego e muitos trabalhadores não conseguiram retomar suas funções de antes da tragédia.


Segundo o governo do Espírito Santo, a pesca representa 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do setor agropecuário do Estado, movimentando cerca de R$ 180 milhões ao ano.


Dono de dois barcos, Braz Clarindo Filho, de 47 anos, conta que seu faturamento pescando camarão chegava a R$ 27 mil mensais. Hoje, ganha em torno de R$ 3 mil.


"É uma situação insustentável, a gente trabalha com alta pressão psicológica. Você pesca sob tensão de ser multado", diz ele à BBC News Brasil. "Você tem família pra sustentar, conta pra pagar, e o camarão está lá. A gente vai fazer o quê? Vai trabalhar ou vai passar fome?", diz.

A queda brusca de renda foi acompanhada por cortes no orçamento familiar: cancelou o plano de saúde, TV a cabo e a escola particular dos filhos. Sua mulher voltou a trabalhar. "Hoje, a gente trabalha só para comer", diz. Prevista para outubro deste ano, sua indenização ainda não saiu do papel.


Já Fabiano Lopes Dias, de 44 anos, conta que os prejuízos fizeram com que ele parasse de pagar a pensão alimentícia de suas filhas por um período. "Em semana boa, eu tirava R$ 5 mil. Hoje, você precisa ir para muito longe para conseguir ganhar R$ 1 mil. Não compensa", diz.

Ele foi multado em R$ 5 mil pelo Ibama, também por pescar em águas proibidas. Ele nega, dizendo que estava "só navegando". Por causa da multa e da impossibilidade de pesca, aposentou o barco e hoje vive de pequenos bicos.


Dias recebeu R$ 60 mil de indenização da Fundação Renova - entidade criada para gerir as ações de reparação. "O dinheiro acabou rápido, não era muita coisa. Eu tinha três funcionários, e hoje eles estão desempregados", diz.


A água está de fato contaminada?

Em fevereiro de 2016, quatro meses depois do rompimento da barragem, uma liminar da Justiça Federal do Espírito Santo proibiu a pesca em toda a foz do rio Doce.

O Ministério Público Federal havia pedido que a Samarco pagasse os custos da fiscalização, mas a Justiça deu essa responsabilidade ao Ibama, ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e ao Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema).


Na época, a decisão foi tomada de forma preventiva, pois não havia estudos provando que a água estava imprópria. Porém, agora há pesquisas que confirmam a contaminação.

Uma delas foi feita pela Fundação SOS Mata Atlântica. Segundo o estudo, toda a água da bacia do rio Doce está imprópria para consumo, pesca e produção de alimentos.


No final do ano passado, pesquisadores da fundação percorreram todo o trecho por onde a lama de rejeitos da barragem passou. Em 88,9% dos pontos de coleta, a qualidade da água era ruim ou péssima.


Foram encontrados concentrações de metais pesados, como cobre e manganês, acima do recomendado pela lei. Também foram encontradas bactérias e microrganismos acima do que a legislação permite.


Outro estudo apontou situação parecida. Uma pesquisa feita em conjunto pela USP, Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) e universidades federais do Espírito Santo e da Bahia apontou que no rio existem as seguintes substâncias em quantidade superior ao recomendado: cobre, manganês, zinco, cromo, cobalto, níquel e chumbo.


Segundo a pesquisa, alguns desses metais são tóxicos e podem se acumular em plantas e peixes.

Há três anos, barragem da Samarco se rompeu e causou um dos maiores desastres ambientais da história

Em entrevista à BBC News Brasil, a pesquisadora Malu Ribeiro, coordenadora do programa de água da SOS Mata Atlântica, explicou por que os pescados oriundos do rio Doce são impróprios.

"Em tese, para uma pessoa ser contaminada pelos metais, precisaria consumir uma quantidade enorme de alimentos, porque esses metais são cumulativos. O problema maior são as outras substâncias que a lama da Samarco levou junto com a avalanche: casas, animais mortos, cemitérios, valas, esgotos", diz.


Para ela, a interdição da pesca deve continuar por questão de saúde pública. "A recuperação da área, de sua fauna e flora, vai demorar séculos. É impossível dizer quando isso vai ocorrer", diz.

E completa: "O Estado brasileiro precisa encontrar alternativas para que as pessoas tenham atividades econômicas, pois a economia local praticamente acabou. É uma situação de injustiça e impunidade que vai ficar marcada na história do Brasil. Com isso, uma das vítimas dessa história, que é o Ibama, acaba sendo vista como vilã por fiscalizar a área", completa.


Processo criminal

Uma escola de Bento Rodrigues, distrito de Mariana, ficou totalmente destruída pela lama - 19 pessoas morreram na tragédia

Três anos depois da tragédia de Mariana, o processo criminal contra supostos responsáveis ainda corre na Justiça Federal. No total, 21 pessoas são acusadas de provocar inundação, desabamento, lesão corporal e homicídio com dolo eventual (quando o réu assume o risco de matar).


Em outubro, o Ministério Público e as Defensorias de Minas Gerais e do Espírito Santo assinaram um acordo com a Samarco, Vale e BHP Billiton para evitar a prescrição do direito à reparação das vítimas da tragédia, o que, em tese, aconteceria após três anos do desastre.

Há também uma ação coletiva, promovida pelo Ministério Público Federal, no valor de R$ 155 bilhões contra a Samarco - nesse termo, estão previstas indenizações pelos danos ambientais, sociais e econômicos.


A Fundação Renova afirma que 3.800 pescadores do Espírito Santo receberam ajuda financeira emergencial e posteriormente indenizações, totalizando R$ 380 milhões em reparações. A instituição não informa, porém, o número total de trabalhadores que receberá esses pagamentos.


Sobre a morosidade dos pagamentos para outros atingidos, a Renova afirma: "Os desafios em relação aos pescadores estão relacionados à diversidade da atividade em toda a bacia. No território impactado, há diferentes categorias de pescadores, que vão dos profissionais regularizados aos que buscavam o rio para subsistência. Para algumas dessas categorias, as diretrizes e políticas com o objetivo de caracterizar a extensão do dano para cada indivíduo estão sendo construídas com a participação de todos os agentes envolvidos".


Já o Ibama afirma que há estudos que comprovam a contaminação da área e que o monitoramento vai continuar até que haja outra decisão judicial sobre o caso.


Fonte: BBC BRASIL

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