Em reuniões paralelas a Sínodo da Igreja Católica, povos da Amazônia denunciam tráfico de pessoas, invasão de terras e conflitos. "O papa está nos dando uma chance de sermos protagonistas", diz indígena.
A poucos metros da Basílica São Pedro, no Vaticano, outra igreja vem servindo de ponto de encontro para diversas organizações indígenas durante o Sínodo para a Amazônia da Igreja Católica, que se encerra no próximo domingo (27/10). É onde Francisco Chagas, da etnia apurinã, fala sobre as ondas de invasões às terras habitadas por seu povo, às margens do rio Purus, no estado do Amazonas.
"Lutamos pela demarcação há 19 anos. As invasões não param: são madeireiros e caçadores, principalmente", disse à DW Brasil.
Durante os dias da reunião entre os bispos convocada pelo papa Francisco, Chagas vê uma oportunidade de mostrar ao mundo que a Amazônia não é um lugar despovoado.
"O papa está nos dando uma chance de sermos protagonistas aqui fora, de falarmos sobre isso e quebrar o preconceito e o racismo", afirma Chagas, que responde a dúvidas e tira fotos com pessoas de todas as partes do mundo que visitam a igreja onde organizam as atividades.
Numa jornada por 12 países europeus, Sonia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), diz que as denúncias que o grupo tem feito no exterior ampliou o número de apoiadores e despertou preocupação em alguns setores no Brasil.
"Em especial as alas do agronegócio que estão provocando conflitos, a indústria madeireira, que está promovendo o aumento do desmatamento que favorece a vulnerabilidades às queimadas e incêndios florestais, a mineração e garimpo ilegal e as grandes extensões de pastagens que vêm contribuindo significativamente para o aumento das mudanças climáticas", detalhou Guajajara.
Patricia Gualinga, indígena do Equador que participa diretamente do Sínodo como auditora, disse que organizações da própria Igreja Católica – são cerca de 700, entre fundações e universidades – prometeram rever investimentos feitos em empreendimentos na Amazônia.
"Cerca de 130 delas se comprometeram a não permitir que dinheiro vá para fundos que apoiem projetos de mineração, petróleo, hidrelétrica ou madeira na região amazônica", disse Gualinga. "Deixamos bem claro para o papa que esses tipos de negócios são os que mais ameaçam os indígenas", justificou.
Violência e tráfico de pessoas
A irmã Roselei Bertoldo, também nomeada como auditora durante o Sínodo, chama a atenção para um outro tipo de violência que considera pouco abordada: o tráfico de pessoas.
"Os dados do Ministério da Justiça são muito subnotificados. E, no Brasil, quando as mulheres denunciam, muitas vezes a polícia não investiga", diz.
Segundo Bertoldo, de 2012 a 2019, a Rede Um Grito pela Vida, ligada à Igreja Católica, atendeu 57 mulheres vítimas do tráfico de pessoas somente em Manaus.
"Das 20 mulheres desse grupo que aceitaram fazer denúncia junto à Polícia Federal, sete casos foram devolvidos ao Ministério Público sugerindo arquivamento", diz Bertoldo. "A gente sabe que, muitas vezes, a própria polícia não faz o processo de investigação dos casos", critica.
Ela conta que a maioria das mulheres vítimas vem do interior do estado, ou de comunidades indígenas. "Existem também muitos casos de meninas levadas para a cidade por parentes ou padrinhos e que acabam caindo no trabalho escravo infantil e exploração sexual. Há ainda muitos casos de casamento servil, de meninas pobres que são pedidas em casamento por estrangeiros e depois desaparecem", diz.
Terra em disputa
O Sínodo dos Bispos, instituído em 1965 pelo papa Paulo 6º, é uma reunião interna da Igreja Católica que discute questões que afetam a igreja e quais diretrizes devem ser tomadas. Ao fim, as conclusões aprovadas pelo papa num documento devem ser acolhidas pelas igrejas em todo o mundo.
O tema escolhido para 2019, a Pan-Amazônia, despertou críticas desde que foi anunciado, em 2017. Durante algumas reuniões preparatórias, o governo brasileiro disse que tinha preocupações em relação a alguns pontos por tocarem em questões referentes à soberania nacional.
"A gente sabe que a Amazônia é uma terra em disputa e que algumas críticas querem enfraquecer (o Sínodo)", comentou Zenildo Luiz Pereira da Silva, padre e reitor de um seminário em Manaus, após uma coletiva de imprensa no Vaticano nesta quarta-feira (23/10).
Silva pontua que são os governos nacionais os responsáveis pela regulação da Amazônia, e do bem comum como um todo. "Quanto mais a gente puder estabelecer o diálogo com os governos para que eles garantam a demarcação e assegurem respeito à legislação que não permite mineração em terras indígenas, melhor", comentou Silva.
Fonte: DW Notícias
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